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[Resenha] Celular, de Stephen King e Suma (Grupo Companhia das Letras)

Celular (Cell)
Stephen King - Editora Suma / Grupo Companhia das Letras
Tradução: Fabiano Morais
384 páginas - R$ 59,90 (impresso) e R$ 38,90 (ebook)
Comprar: Amazon | Livraria CulturaGoogle Play | Kobo | Saraiva

Sinopse:
"Em Celular, King leva o medo da tecnologia e do terrorismo digital às últimas consequências. De uma hora para outra, telefones celulares se tornam os responsáveis pelo apocalipse, ao apagar do cérebro de milhões de pessoas qualquer traço de humanidade, deixando no lugar apenas violência e impulsos destrutivos.
Aqueles que não possuem um celular, como o artista gráfico Clayton Riddell e seu pequeno grupo de normies - pessoas que não sofreram o ataque -, agora lutam por sobrevivência. Enquanto batalha para chegar a um lugar seguro e reencontrar sua família, Riddell se vê cada vez mais rodeado por caos, carnificina e uma horda terrível de humanos que foram reduzidos aos instintos mais básicos... mas que parecem estar começando a evoluir."

Resenha:

Celular (Cell), do mestre do terror Stephen King, foi publicado em inglês no final de 2006 e chegou ao Brasil no ano seguinte através da Editora Suma. Em 2016 ganhou uma adaptação cinematográfica e em agosto de 2018, nova edição e capa no Brasil. Recebi da Suma um exemplar cortesia e foi uma ótima leitura, pois me senti inquieta ao término. É uma das coisas que mais gosto nos livros do King: por trás de uma trama de suspense e terror, uma crítica social ou comportamental.
Na época da publicação original, a maioria das pessoas possuía um aparelho celular, mas sua importância não tinha a intensidade atual, pois eram utilizados para ligações tradicionais e mensagens de texto, e não para se conectar à internet. Já havia a preocupação do uso excessivo, da dependência em se carregar um celular o tempo inteiro.
King teve a ideia para Celular enquanto caminhava em Nova York e reparou em um homem de terno que aparentemente conversava consigo mesmo. Percebeu que o homem na verdade falava ao celular através de um fone de ouvido. Foi esta imagem à primeira vista incoerente, de um homem de negócios bem vestido parecendo estar fora da realidade falando sozinho, que inspirou King.
Celular é uma homenagem aos zumbis de Richard Matheson (1926-2013), escritor de ficção científica, terror e fantasia e autor de livros como Eu Sou a Lenda, Amor Além da Vida e Outros Reinos, e de George Romero (1940-2017), diretor de filmes A Noite dos Mortos Vivos, Despertar dos Mortos e Dia dos Mortos.


King já havia escrito sobre zumbis em contos dos livros Ao Cair da Noite (The New York Times a Preços Promocionais Imperdíveis) e Pesadelos e Paisagens Noturnas Volume I (Parto em Casa), mas esta foi a primeira vez que ele compôs um cenário apocalíptico onde um surto zumbificador é o foco da trama. Mas este não é meramente o "livro de apocalipse zumbi do King", pois um dos melhores itens do romance é a originalidade e criatividade da premissa mantidas por todo o desenvolvimento da disseminação da moléstia. Eu nunca vi algo semelhante, mesmo adorando histórias sobre fim do mundo com doenças ou zumbis.
Um misterioso sinal recebido pelos celulares transforma os usuários em pessoas violentamente insanas, como se os traços humanos fossem deletados repentinamente. Entram em um frenesi maníaco, repetindo comportamentos e destruindo coisas, incluindo ataques a si mesmos. Os sobreviventes passam a se referir a este evento catastrófico como o Pulso e aos zumbis como fonáticos. Em meio ao caos, medo e desinformação, as pessoas não afetadas, ou seja, quem não utilizou um telefone celular, precisam buscar por soluções, respostas e segurança.
O livro começa com uma sequência alucinante e empolgante, talvez uma das melhores de King. As descrições da ação e os detalhes do momento do Pulso, um grande pandemônio, são excelentes. Embora o ritmo da trama oscile, o desenvolvimento do enredo é ótimo, principalmente com as especulações sobre o que está acontecendo com os fonáticos. Estes demonstram sinais de evolução e o perigo aumenta, deixando a história novamente instigante. A tensão cresce, assim como o medo em relação aos fonáticos, e se à princípio eles são animalescos mas nem tão assustadores, posteriormente fazem os humanos morrerem de medo e perceberem que talvez não sejam mais o comando do planeta. Algumas atitudes dos fonáticos são muito inesperadas e observá-los sob o olhar das personagens foi desesperador e de bom suspense.


A narrativa é em terceira pessoa, porém o ponto de vista é o do protagonista Clayton "Clay" Riddell, um quadrinista do Maine que acabou de ter os direitos de sua obra comprados por uma grande editora de histórias em quadrinhos. Prestes a contar para a ex-esposa e filho adolescente que realmente assinou o contrato em Boston, o Pulso atinge a civilização. Ele não tem jeito para herói e achei isso interessante. Na verdade, a maioria das personagens não demonstra futuro em atos heroicos. Mas não desistem com facilidade, mesmo sob muito medo e tensão. Os parceiros de Clay são Tom McCourt, a adolescente Alice Maxwell, que é uma líder natural, e o pré-adolescente Jordan, um menino inteligente. Este é um dos núcleos mais realistas criados pelo King, com características bem definidas. Do mesmo modo que os zumbis não são os clássicos comedores de cérebro rastejantes e errantes, o grupo foge do clichê de pessoas no meio do apocalipse que se tornam especialistas em sobrevivência muito rapidamente. Se adaptam, mas de modo crível.
São muitas cenas gore violentas e sanguinárias, com direito a explosões, mas também há momentos filosóficos e dramáticos, sempre com o humor sombrio característico de King.
Várias questões sociais permeiam a trama. Uma delas, um ponto universal, é a paternidade (a busca de um pai pelo filho e, em uma escala de menor destaque, a não-oficial adoção de um menino por um homem). Outros itens sociais se ligam direta ou indiretamente ao choque causado pelo 11 de setembro de 2001, quando os Estados Unidos sofreram os ataques ao World Trade Center e Pentágono. A possibilidade dos estadunidenses serem atacados, vencidos e se tornarem refugiados. Há também uma referência a campos de concentração e extermínio em massa.
O final não traz a resposta para todas as questões, mas me senti muito satisfeita. Na verdade não gostaria de um desfecho explicadinho. Gostei de ter o que pensar.


Além de um possível fim da civilização violento, destacam-se a tecnofobia e a paranoia sobre terrorismo pelas redes de comunicação. Mesmo após doze anos do lançamento, ao observamos a consolidação dos smartphones em nossas vidas, Celular ainda é uma leitura atual, especialmente com o fanatismo pelas redes sociais, crimes cibernéticos e vício patológico pelos celulares. Até onde estar conectado o tempo todo é sadio? Como nos protegemos de ameaças online? A tecnologia e inteligências artificiais podem nos ameaçar? Celular é uma história de ficção científica e horror que alerta sobre a vulnerabilidade de estarmos expostos e conectados globalmente e a diminuição de relacionamentos tradicionais.
Mas a obra também aponta itens positivos dos humanos. O protagonista busca por seu filho e durante a odisseia convive com pessoas antes desconhecidas que acabam se tornando uma nova família. As pessoas se unem não apenas por necessidade, mas também por altruísmo. No trajeto ele encontra todo tipo de gente, desconfiadas, egoístas, violentas, mas também solícitas, empáticas, pacificadoras.
Zumbis rancorosos de gosto musical duvidoso. Todos agindo exatamente do mesmo modo maníaco-obsessivo e seguindo o pensamento coletivo de manter a horda viva; brigando violentamente por motivos banais, sem a capacidade de discutir, respeitar ou perdoar; que não se comunicam mais através da fala, sentimentos e expressões corporais e faciais, e sim de outra forma mais rápida, eficiente e conectada. É assustador, não é? Por se tratar de uma obra do King comparações com nosso comportamento atual não é mera coincidência; ele questiona o comportamento humano de um modo formidável, através de uma trama que me trouxe um entretenimento divertido, como um bom filme B, mas também reflexivo.
King alerta para o horror de perdemos nossa humanidade, relacionamentos e linguagem ao nos conectarmos ao mundo digital e tecnológico excessivamente; de nos transformamos em zumbis que apenas vivem para algumas necessidades básicas.


A nova capa é mais dinâmica e atraente que a anterior e o exemplar traz a qualidade tradicional da Editora Suma: orelhaspáginas amareladas e ótimo trabalho de diagramação e revisão e tradução do Fabiano Morais.
Editora Suma já anunciou as próximas publicações dele aqui no Brasil. Além de Elevation, o novo livro ainda inédito (será publicado nos Estados Unidos em outubro), a Suma vai lançar em outubro de 2018 A Pequena Caixa de Gwendy, escrito em parceria com Richard Chizmar, ilustrado e em capa dura. Em 2019 será o momento de ampliar a coleção de clássicos em capa dura Biblioteca Stephen King com Trocas Macabras e A Metade Sombria, ambos fora de catálogo.

O autor
É autor de mais de cinquenta livros best-sellers no mundo inteiro. Os mais recentes incluem Revival, Mr. Mercedes, Escuridão Total Sem Estrelas (vencedor dos prêmios Bram Stoker e British Fantasy), Doutor Sono, Joyland, Sob a Redoma (que virou uma série de sucesso na TV) e Novembro de 63 (que entrou no TOP 10 dos melhores livros de 2011 na lista do New York Times Book Review e ganhou o Los Angeles Times Book Prize na categoria Terror/Thriller e o Best Hardcover Novel Award da Organização International Thriller Writers). Em 2003, King recebeu a medalha de Eminente Contribuição às Letras Americanas da National Book Foundation e, em 2007, foi nomeado Grão-Mestre dos Escritores de Mistério dos Estados Unidos.Ele mora em Bangor, no Maine, com a esposa, a escritora Tabitha King.
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Dicas de leitura para quem gostou de Celular do Stephen King (clique no título para saber mais):
Eu Sou a Lenda (Richard Matheson, Aleph)Guerra Mundial Z (Max Brooks, Rocco)Mortos entre Vivos (John Ajvide Lindqvist, Editora Tordesilhas)A Estrada (Cormac McCarthy, Suma)A Dança da Morte (Stephen King, Suma)A Guerra dos Mundos (H. G. Wells, Suma)trilogia A Passagem (Justin Cronin, Arqueiro) e Trilogia da Escuridão (Chuck Hogan e Guillermo del Toro, Rocco).


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