publicidade

[Resenha] VOX, de Christina Dalcher e Arqueiro

VOX
Christina Dalcher - Arqueiro
Tradução: Alves Calado
320 páginas - R$ 39,90 (impresso) e R$ 24,99 (ebook)
Comprar: Amazon | Americanas | Google Play | KoboSubmarino

Sinopse:
"O governo decreta que as mulheres só podem falar 100 palavras por dia. A Dra. Jean McClellan está em negação. Ela não acredita que isso esteja acontecendo de verdade.
Esse é só o começo...
Em pouco tempo, as mulheres também são impedidas de trabalhar e os professores não ensinam mais as meninas a ler e escrever. Antes, cada pessoa falava em média 16 mil palavras por dia, mas agora as mulheres só têm 100 palavras para se fazer ouvir.
...mas não é o fim.
Lutando por si mesma, sua filha e todas as mulheres silenciadas, Jean vai reivindicar sua voz.
"Uma recriação apavorante de O Conto da Aia no presente e um alerta oportuno sobre o poder e a importância da linguagem." – Marta Bausells, ELLE."

Resenha:
Imagine que nos próximos anos cada vez menos mulheres sejam eleitas aos cargos públicos e seus direitos diminuam; que o conservadorismo se fortaleça para "proteger a família tradicional"; que os princípios cristãos sejam as bases de todas as leis. O Estado não é mais laico e o militarismo e o fanatismo reacionário dominaram todos os campos sociais. Isso ocorre no enredo do livro distópico VOX, lançamento de outubro de 2018 da Editora Arqueiro. Logo após o mandato do primeiro presidente negro eleito nos Estados Unidos, o país se torna cada vez mais conservador, religioso e machista.
As mulheres são proibidas de trabalhar, ter passaporte, estudar e ler. Podem apenas dizer cem palavras ao dia, que são contabilizadas por uma pulseira obrigatória permanente. Ao ultrapassar o limite diário, recebe um eletrochoque. Conforme mais palavras são ditas, a descarga aumenta gradativamente. Se uma mulher fala em média vinte mil palavras em vinte e quatro horas, então como se adequar a esta censura-tortura diária? E como viver sem ler e escrever, sem poder gesticular, em privação quase total de comunicação? As meninas também são silenciadas, pois bebês do sexo feminino recebem o contador aos três meses de vida e ao estarem em idade escolar, aprendem apenas o básico voltado aos afazeres domésticos, como matemática para as compras, culinária ou jardinagem. Resta às mulheres e meninas apenas ouvir e obedecer. Se você acha que VOX é "apenas" sobre se calar, vai se surpreender em como isto funciona na prática do cotidiano.


A protagonista, Jean McClellan, presenciou esta nova e terrível era. Doutora em Linguística, era uma das melhores cientistas da área, mas além de silenciada, foi obrigada a abandonar o trabalho e a pesquisa. Vive agora para os quatro filhos, um adolescente, dois gêmeos pré-adolescentes e uma menina que deveria estar aprendendo a ler e escrever, fazendo muitas perguntas e pedindo histórias antes de dormir. Mas ela apenas balança a cabeça e fala palavras essenciais. O marido de Jean possui alta patente no Governo e, embora discorde da situação e seja uma boa pessoa, nunca fez nada para impedi-la ou modifica-la. Assim como Jean.
Ela jamais imaginou que os Estados Unidos se tornariam uma nação totalitária sob regime teocrático. Quando nenhuma mulher foi eleita para o Congresso, não participou dos protestos e passeatas, não se juntou aos feministas. Simplesmente achava que estaria segura, talvez sem um direito aqui ou com uma restrição a mais ali, mas ter que se calar e não poder trabalhar? Quando perdeu o direito ao passaporte para visitar os pais na Itália ou a usar contraceptivos, era tarde de mais. Foi incapaz de imaginar a vida como é agora, mas sua amiga da faculdade, Jackie, foi ativa em todos os sentidos e a alertou constantemente. Onde estará Jackie, num campo de trabalho forçado?

"Imagino-a erguendo cartazes e organizando manifestações enquanto eu ficava em casa com o nariz enfiado nos livros, ou enquanto Patrick e eu íamos comer cheeseburger e revirávamos os olhos para o último protesto no campus."


Esta é a base para a trama de VOX e o foco principal ocorre quando Jean desperta a consciência. Ao ver o marido se acostumar com a situação (e até preferir a esposa calada), o filho mais velho se tornar censurador e opressor, devido à lavagem cerebral do Governo nas escolas, e a filha condicionada pelo contador, cada vez mais calada, ela decide lutar contra o sistema e a recuperar sua voz e a de todas.
Ela se agarra a uma oportunidade única (e perigosa) e se junta ao resto da rebelião sobrevivente.
A narrativa ocorre em primeira pessoa, sob o ponto de vista da protagonista e é estruturada em capítulos dinâmicos. É distopia, mas mantém bom suspense e ótimo ritmo.
A autora destaca o feminismo, incluindo o feminismo negro, o movimento LGBT e importância da liberdade de opinião, dos estudos científicos, da democracia e a laicidade do Estado. O principal: mostra como o feminismo é essencial não apenas para meninas, mas também para os meninos, e de como toda luta por direitos civis deve ser importante para todos.
O livro me empolgou desde o começo e o final também é excelente e se mantém parcialmente em aberto, mas esperava um pouco mais. Ainda assim, o classifico com cinco estrelas e o favoritei na minha estante!


A crítica da ELLE Magazine escreveu: "Uma recriação apavorante de O Conto da Aia no presente e um alerta oportuno sobre o poder e a importância da linguagem." Li e resenhei a obra de Margaret Atwood ano passado e concordo, existem vários pontos em comum, como Estado teocrático, totalitário, misógino e homofóbico. Me impressionei, me revoltei e me preocupei com a temática de VOX da mesma forma que com O Conto da Aia, mas achei a escrita de Christina Dalcher mais acessível e menos agressiva (porém igualmente questionadora), assim como o quadro distópico ainda mais próximo da nossa realidade, mais provável. O lado referente a linguagem é interessantemente abordado, destacando como isto é o que nos difere dos outros seres vivos: a comunicação pela linguagem. E a linguagem dos sinais não é menosprezada, pelo contrário, assim como as palavras faladas são contabilizadas, qualquer linguagem é proibida, como a escrita e a linguagem dos sinais. A autora é linguista e mostra como esta ciência é essencial.
Há também um pouco de Psicologia, especialmente a aplicação do Condicionamento Operante, onde o comportamento é controlado e induzido através de reforço ou punição. Fiquei chocada não apenas com o uso disso nas pulseiras contadoras e torturadoras, mas no funcionamento da escola e hierarquia dos Puros.

"Os monstros não nascem, nunca. Eles são feitos, pedaço por pedaço e membro por membro, criações artificiais de loucos que, como o equivocado Dr. Frankenstein, sempre acham que sabem demais."


Mais que uma previsão sombria e assustadora, VOX é um alerta urgente e necessário. Um aviso sobre a fragilidade da democracia e de como as mulheres não devem relaxar a vigilância para a manutenção e conquista de seus direitos. E mais que questionador e subversivo, é um livro empolgante.
Leitura essencial para fãs de distopias e obras de temática feminista, mas eu sinceramente adoraria que todas as pessoas o lessem, para assim jamais fecharem os olhos para a luta das mulheres por equidade. Para não nos calarmos jamais perante retirada / negação de direitos civis.
Por mais livros como VOX no Brasil, pois precisamos. Agradeço à Editora Arqueiro pela publicação e envio de exemplar cortesia. Possui orelhas, papel amarelado e ótima diagramação e revisão, com tradução de Alves Calado. Christina Dalcher é professora universitária e autora de mais de cem publicações.
Esta resenha contém mil cento e trinta e três palavras. No mundo de VOX ela e este blog não existiriam. Nem este livro.

"— Há uma resistência?
O mundo parece doce quando digo isso.
— Querida, sempre há uma resistência."

A autora:
Christina Dalcher é linguista e professora universitária com doutorado pela Universidade de Georgetown. Seus contos figuraram em mais de 100 publicações ao redor do mundo. Ganhadora de diversos prêmios, foi finalista do Bath Flash Award e indicada ao Pushcart Prize. Ela vive em Norfolk, Virgínia, com o marido.
Site | Twitter | InstagramFacebook

Dicas de leitura para quem se interessou por/gostou de VOX, outras obras de temática feminista (clique no título para saber mais):


O Conto da Aia (The Handmaid's Tale, Margaret Atwood, Rocco); Quando Ela Acordou (Hillary Jordan, Bertrand Brasil), O Poder (Naomi Alderman, Planeta Minotauro), As Horas Vermelhas (Leni Zumas, Planeta)Maresi (Maria Turtschaninoff, Morro Branco), Terra das Mulheres (Charlotte Perkins Gilman, Rosa dos Tempos)O Sonho de Sultana (Roquia Sakhawat Hussain, Universo Desconstruído - em domínio público: Ebook gratuito, baixe aqui!).
Se você lê em inglês e quer mais dicas confira a postagem com seis obras inéditas no Brasil que abordam questões semelhantes, clicando aqui.

Nenhum comentário

Os comentários são moderados, portanto, aguarde aprovação.
Comentários considerados spams, agressivos ou preconceituosos não serão publicados, assim como os que contenham pirataria.
Caso tenha um blog, retribuirei seu comentário assim que possível.

Pesquise no blog

Parcerias