Hillary Jordan - Arqueiro
Tradução: Marcelo Mendes
272 páginas - 2018 - R$ 39,90 (impresso) e R$ 24,99 (eBook) - trecho
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Sinopse:
"Um amor proibido, uma traição terrível, uma agressão selvagem. Um romance de força impressionante, que nos faz mergulhar nas contradições do Mississippi pós-Segunda Guerra Mundial.
Ao descobrir que o marido, Henry, acaba de comprar uma fazenda de algodão no Sul dos Estados Unidos, Laura McAllan, uma típica mulher da cidade, compreende que nunca mais será feliz. Apesar disso, ela se esforça para criar as filhas num lugar inóspito, sob os olhos vigilantes e cruéis de seu sogro.
Enquanto os McAllans lutam para fazer prosperar uma terra infértil, dois bravos e condecorados soldados retornam do front e alteram para sempre a dinâmica não só da fazenda, mas da própria cidade. Jamie, o jovem e sedutor irmão de Henry, faz Laura de repente renascer para a vida, enquanto Ronsel, filho dos arrendatários negros que trabalham para Henry, demonstra uma altivez que não será aceita facilmente pelos brancos da região.
De fato, quando os jovens ex-combatentes se tornam amigos, sua improvável relação desperta sentimentos violentos nos habitantes e uma nova e impiedosa batalha tem início na vida de todos.
Alternando a narrativa entre vários pontos de vista, este premiado romance oferece ao leitor diferentes versões dos acontecimentos. Os personagens, lutando por sentimentos de amor e honra num lugar e época brutais, se veem dentro de uma tragédia de enormes proporções e encontram redenção onde menos esperam."
Resenha:
Mudbound – Lágrimas Sobre o Mississippi foi originalmente publicado em 2006, a estreia da escritora Hilary Jordan. Ao ganhar adaptação cinematográfica, chegou ao Brasil em 2018 pela Editora Arqueiro. A edição possui capa do filme e exemplar com orelhas, folhas amareladas, tradução de Marcelo Mendes e ótimas revisão e diagramação. É ficção histórica adulta passada no pós-Segunda Guerra Mundial e mostra a região do delta do Mississippi, no sul dos Estados Unidos.
Exemplo perfeito de como livro histórico pode ser acessível e agradável, e ainda assim completo, informativo e muito interessante. Os capítulos são profundos, embora sejam breves. A carga emocional é grande e intensa. Destaco que a leitura é simples, porém nem sempre tranquila. Sinceramente, achei inquietante, impactante e comovente. Foi uma experiência que quase me fez chorar e me tirou o fôlego, especialmente na parte final.
O resultado é uma obra maravilhosa sobre a amizade entre dois jovens americanos; ex-combatentes que retornam da guerra para um cenário rural de extrema segregação racial. Um é branco e o outro é negro e possuem muita coisa em comum. Após vivenciarem horrores na Segunda Guerra, eles carregam traumas e lembranças malignas que precisam enfrentar. Uma camaradagem natural surge entre eles, mas naquele momento e naquele local, brancos e negros não podiam se relacionar. Através de duas famílias diferentes, a obra é um vislumbre da sociedade sulista americana dos anos 1940 e ressalta também as mulheres, mostrando suas vidas afetadas pelo patriarcalismo e, no caso das negras, também pelo racismo.
Nesta época, a população dos Estados Unidos encontrou estabilidade financeira e prosperidade. A valorização da democracia e da liberdade crescia, levando ao surgimento de movimentos por direitos civis. Vários grupos sociais, principalmente os formados por mulheres e negros, ansiavam por igualdade perante as leis. Porque o desenvolvimento não alcançou a todos. Os afro-americanos, mesmo com mais oportunidades que seus antepassados, ainda sofriam extrema discriminação. Vários estados americanos possuíam sistemas de leis de segregação racial, onde os negros eram considerados cidadãos de segunda classe. Não podiam usar entradas principais dos estabelecimentos comerciais ou públicos, somente as portas dos fundos, por exemplo. Encontravam muita dificuldade em votar nas eleições e a prosperarem economicamente. Ainda predominava, nos estados sulistas, o pensamento de que negros seriam inferiores aos brancos, e embora a escravidão tenha sido abolida em 1863, os negros ainda eram tratados com desprezo e violência.
Neste ambiente vivem duas famílias: os brancos McAllans e os negros Jacksons. Suas vidas se cruzam numa fazenda de algodão em Marietta, cidadezinha no delta do Mississippi, e culmina numa morte: a do mais velho dos McAllans, o Pappy.
Curiosamente a trama começa pelo acontecimento final; na verdade um deles, pois o desfecho possui ainda outras tensões. Então a autora volta no tempo, criando uma sequência primorosa de eventos, relacionamentos e tragédias, para direcionar tudo ao ápice. Isso produz certo suspense, mantido até as últimas páginas. A autora me surpreendeu.
A narrativa é em primeira pessoa e feita pelas personagens principais, se alternando a cada capítulo. Exceto Pappy, visto que ele faleceu. É o único ponto de vista e consciência que não temos acesso, uma personagem crucial e que causa muita aversão e raiva, não apenas nas outras personagens, mas também em quem lê. O odiei tanto, mas pensava no alívio que era saber que ele morre no final.
São três narradores de cada família: Laura, Henry e Jamie, dos McAllans, e Ronsel, Hap e Florence, dos Jacksons. É um dos melhores pontos do livro, acrescentando agilidade e variedade ao desenvolvimento e apresentando opiniões muitíssimo diferentes, além de informações. À princípio pode parecer desconexo, mas tenha paciência, pois logo as histórias se conectam e seguem juntamente.
Laura é culta, de classe média de Memphis, Tennessee, e mora com os pais. Ela achava que não se casaria mais, até conhecer Henry, um engenheiro de Greenville, Mississippi, com quem tem duas filhas. Ele é veterano da Primeira Guerra e um homem cortês e tradicional. Laura não cria afeição pela família do marido, com exceção do cunhado mais jovem, Jamie, um rapaz carismático e sensível. Quando a Segunda Guerra eclode, Jamie se torna em piloto de bombardeiro. Henry foi dispensado e realiza um desejo antigo: compra uma fazenda em Marietta e leva a esposa (que não foi consultada), as filhas e o pai (Pappy) para viverem com ele o sonho da vida rural. Para Laura é um pesadelo: um casebre precário em um lamaçal sem fim, trabalho doméstico e campestre interminável e o sogro perturbando-a diariamente.
Os Jacksons são uma das famílias de arrendatários da fazenda de Henry: Hap, um cristão que sonha em conseguir ter sua própria terra e não mais viver em prol de uma família branca, e Florence, sua esposa, parteira da região que passa a ser também empregada doméstica dos McAllans para complementar a renda, além de seus filhos gêmeos e sua caçula. Ronsel, o filho mais velho e mais sociável e cativante dos Jacksons, está na Europa, no front da Segunda Guerra e é sargento de batalhão de tanque.
Quando Jamie e Ronsel retornam para suas famílias, estão mudados e sofrendo de estresse pós-traumático. Nenhum dos dois se sente inteiro ou de volta de verdade. Jamie exagera no álcool e Ronsel, após ter sido tratado como herói pelos europeus, não consegue mais aceitar a rotina da segregação racial americana.
A impressão que tive é que Hap e Florence, apesar de não concordarem com a segregação sofrida, acabam suportando situações que o filho passa a não aguentar mais. A meta dos pais é tornar a família independente, mas é quase impossível juntarem dinheiro, mesmo com o trabalho ininterrupto de todos os integrantes.
E outra reflexão foi a sensação de que, em variados graus, todos os brancos no livro são racistas. Todos, até mesmo os mais justos e humanos possuem reflexos preconceituosos; é uma cultura entranhada na população em geral, profundamente enraizada nas atitudes. Porque fiquei com a ideia que alguns brancos notam a injustiça em determinadas situações, mas não as enfrentam, não fazem nada para mudar as regras sociais. Quanto mais idoso mais parece ser difícil mudar o comportamento e a opinião.
Midbound é uma leitura rápida; entretanto, arrebatadora e de muita profundidade com os seguintes pontos principais: a intensidade assustadora e insensata do racismo; tão forte que é como sombras: está em todo lugar, mais ou menos predominante; o retorno de dois homens tão mudados pela guerra que não conseguem mais pertencer à vida anterior; uma esposa negligenciada pelo marido e frustrada com a vida na fazenda que ela não quis e nem foi consultada a respeito; mães capazes de qualquer coisa pelos filhos; homens que sonham com justiça e igualdade, enquanto outros não querem quebrar tradições que os beneficiam, mesmo às custas de suor, sangue e lágrimas de outras pessoas.
Frustração, desespero, raiva e solidão se misturam e provocam o acúmulo de tensões, que levam a consequências dolorosas e terríveis. Leitura para sacudir quem lê.
O filme foi dirigido e roteirizado por Dee Rees e Virgil Williams. É uma produção independente e foi comprado pela Netflix. É estrelado por Carey Mulligan, Garrett Hedlund, Jason Clarke, Jason Mitchell e Mary J. Blige, e foi indicado em quatro categorias do Oscar: roteiro adaptado, atriz coadjuvante (Mary J. Blige, que também é cantora), fotografia (Rachel Morrison, a primeira mulher indicada nessa categoria) e canção original (Mighty River, pela Mary J. Blige). Foi a primeira vez que um filme Netflix emplacou no Oscar, mesmo sem vencer. O problema é que assinantes do Brasil não podem assistir ao filme no serviço de streaming, porque a Netflix detém os direitos apenas em determinados países. Os direitos para o Brasil pertencem à distribuidora Diamond Films, portanto, ele está somente nos cinemas, desde 15 de fevereiro de 2018. Temos que aguardar pela estreia na Netflix. Assista aos trailer e à apresentação emocionante de Mary J. Blige na 90ª cerimônia do Oscar:
Hillary Jordan foi criada em Dallas, Texas, e Muskogee, Oklahoma. Atualmente vive em Nova York. Mudbound – Lágrimas sobre o Mississippi, seu romance de estreia, recebeu o Prêmio Bellwether de ficção em 2006 e o Alex Award, da American Library Association. Foi eleito Livro de Ficção do ano pela NAIBA (New Atlantic Independent Booksellers Association) e um dos 10 Melhores Romances de Estreia da década pela revista Paste. Também é autora de Quando Ela Acordou.
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