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[Resenha] Belas Adormecidas, de Stephen King, Owen King e Suma (Grupo Companhia das Letras)

Belas Adormecidas (Sleeping Beauties)
Stephen King e Owen King - Suma / Grupo Companhia das Letras
Tradução: Regiane Winarski
728 páginas - 2016 - R$ 74,90 (impresso) e R$ 39,90 (eBook) - Trecho
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Sinopse:
"Pelo mundo todo, algo de estranho começa a acontecer quando as mulheres adormecem: elas são imediatamente envoltas em casulos. Se despertadas, se o casulo é rasgado e os corpos expostos, as mulheres se tornam bestiais, reagindo com fúria cega antes de voltar a dormir. Em poucos dias, quase cem por cento da população mundial feminina pegou no sono. Sozinhos e desesperados, os homens se dividem entre os que fariam de tudo para proteger as mulheres adormecidas e aqueles que querem aproveitar a crise para instaurar o caos. Grupos de homens formam as “Brigadas do Maçarico”, incendeiam em massa casulos, e em diversas partes do mundo guerras parecem prestes a eclodir. Mas na pequena cidade de Dooling as autoridades locais precisam lidar com o único caso de imunidade à doença do sono: Evie Black, uma mulher misteriosa com poderes inexplicáveis.
Escrito por Stephen King e Owen King, Belas Adormecidas é um livro provocativo, dramático e corajoso, que aborda temas cada vez mais urgentes e relevantes."

Resenha:

Stephen King possui mais de cinquenta best-sellers publicados, como It: a Coisa, a série A Torre Negra, Revival, Mr. Mercedes, Cujo, Carrie: a Estranha, O Iluminado, A Zona Morta. Suas obras têm sido continuamente adaptadas para filmes e séries, atingindo o público bem além do leitor. Sua adaptação de sucesso mais recente é a de It, longa de terror recordista de bilheteria.
Embora seja conhecido como o mestre do terror, suas histórias vão além do horror e do suspense, abrangendo diversos gêneros literários, indo da fantasia ao drama e sempre provocando reflexão e explorando os medos e a obscuridade da mente humana, tudo sempre sob seu estilo sarcástico inconfundível.
Owen King é o filho mais jovem de Stephen King. Escreve contos e romances, com destaque para os inéditos no Brasil Double Feature e We're All in This Together. Também é coautor da graphic novel Intro to Alien Invasion.
Belas Adormecidas (Sleeping Beauties, 2017) nasceu da ideia de Owen: "E se as mulheres não acordassem mais?". Ele não se sentiu apto a desenvolver o conceito, levando-o até Stephen, incluindo uma prisão feminina como cenário principal. O pai recusou escrever sobre isso e estimulou o filho a levar o esboço adiante. Acabaram escrevendo um romance juntos, parceria inédita, mas o projeto originalmente seria uma série televisiva. Portanto, prepare-se: são setenta personagens, todos listados nas primeiras páginas para que você não se confunda. A narrativa é em terceira pessoa e o ponto de vista transcorre entre as personagens em cena (até mesmo animais!), acrescentando dinamismo e variedade. Achei o desenvolvimento irregular, às vezes mais lento, em outros momentos, mais rápido, e demorei com a leitura mais do que costumo, mesmo para um calhamaço. Mas valeu a pena.


Em entrevistas, os Kings falaram sobre o processo de escrita, onde tentaram mesclar seus estilos ao ponto de estarem irreconhecíveis. Um escrevia vinte e cinco páginas, deixando algumas lacunas, e passava ao outro, que reescrevia todo o trecho acrescentando as cenas que faltavam e mais vinte e cinco páginas, para então retornar ao primeiro, assim sucessivamente. Para literalmente ter um manuscrito genuinamente escrito pelos dois. Imagino que se o resultado são 728 páginas, quantas outras os Kings devem ter escrito!
O resultado é bastante peculiar, muito diferente do que SK costuma produzir, porém ainda com detalhes tradicionais perceptíveis aos olhos de seus fãs. Desconheço o trabalho de Owen, portanto, não posso dizer se Belas Adormecidas é mais dele que do pai. Mas acredito no que os Kings têm ostentado: realmente é um romance a quatro mãos, onde não se destaca um ou outro. Foi a impressão que tive. A Editora Suma manteve a tradutora dos livros do SK, Regiane Winarski, que já conhece muito bem seu estilo, e acredito que deve ter sido trabalhoso.
Por isso, seja fã ou não, tenha em mente que tem outra pessoa escrevendo também e a soma faz um livro distinto. Embora tenha visto algumas resenhas negativas, muitas realçando o aspecto de que "não parece ter assinatura do SK", não me deixei abalar, porque havia me empolgado com a premissa. E adorei a leitura.


Uma praga se propaga mundialmente e atinge todas as mulheres e meninas sem distinção: após adormecerem, uma espécie estranha de casulo rapidamente as envolve e elas não acordam mais. Se despertadas entram em estado total de selvageria, atacam e matam, até adormecerem novamente. As autoridades chamam a doença de Aurora. Enquanto isso, no cenário principal, na pequena cidade Dooling, Virgínia Ocidental, na região dos Apalaches, Estados Unidos, uma mulher desconhecida invade o trailer de um traficante de drogas, o mata violentamente e aguarda pela prisão, feita pela xerife do local, Lila Norcross. A mulher se apresenta como Evie ou Eve Black e é levada para a prisão feminina, onde o marido de Lila trabalha, o psiquiatra Clint Norcross. No Instituto Penal de Dooling, Evie zomba de todos os homens e demonstra um comportamento aparentemente insano.
O foco é Dooling e a prisão e apenas vislumbres dos acontecimentos no resto do país e do mundo são mostrados, como tumultos em frente a Casa Branca, conservadores debatendo o problema na rádio, filmagens transmitidas por redes de televisão... mas são as Brigadas do Maçarico que intensificam o caos: homens queimando mulheres nos casulos.
As mulheres ainda acordadas caçam estimulantes, de energéticos e cafés às drogas. "E se as mulheres não acordarem mais?" é o pensamento que atinge a todos, concluindo que a humanidade está em risco de extinção.
O centro da trama é a misteriosa Evie, suas bizarras habilidades, sua ligação direta com a Aurora e os conflitos ao redor dela. Ela parece ler pensamentos e se comunicar com animais. Basicamente a cidade se divide entre homens que querem proteger Evie e homens que desejam interrogá-la e, até mesmo matá-la. Como Evie está na prisão, é lá que ocorre o conflito principal: a guerra em Dooling.


Uma característica do SK é dar espaço a todas as faixas etárias e classes sociais e isso ocorre em Belas Adormecidas. Por serem muitas personagens é difícil apontar o núcleo protagonista, porque são muitas subtramas e históricos. Além de Evie, a mulher misteriosa e mágica, Clint, o psiquiatra que assume a direção da prisão em meio ao caos, e Lila, a xerife que tenta manter a ordem sob quaisquer situações, temos muitos habitantes de Dooling: Jared, filho adolescente de Clint e Lila, ingênuo e de boa índole; Frank, agente do Controle de Animais que tem surtos de violência, mas que deseja apenas ser um bom pai para a filha; Elaine, ex-esposa de Frank, que cansou dos socos do marido na parede; Nana, pré-adolescente filha de Frank e Elaine, boa desenhista e observadora; Essie, uma idosa sem-teto; Willy, voluntário de todas as horas e solícito em qualquer situação; Mary, uma adolescente que só queria ter uma vida normal como estudante de Ensino Médio, mas agora se preocupa em não dormir; Janice, a diretora do Instituto Penal de Dooling, que se desdobra para manter a prisão dentro das normas; Michaela, filha de Janice e repórter de um canal de TV de nível nacional, que investiga os acontecimentos até fazer parte deles; Vanessa, guarda da prisão feminina, campeã local de queda de braço, nunca desiste; Don, guarda da prisão misógino que abusa e coage as detentas; Terry, alcoólatra e o segundo no comando do Departamento de Polícia de Dooling.
Destaque para as detentas do Instituto Penal de Dooling, Jeanette, Ree, Angel, Kayleigh, Maura, Kitty, Nell, Celia e Claudia, criminosas condenadas. Independentemente do grau da culpa, quase todas são sobreviventes, de violência doméstica, relacionamentos tóxicos, abusos sexuais, físicos ou psicológicos, do vício, da pobreza, de alguma doença mental. Uma das personagens que mais gostei não é humana, é uma Raposa, mas minha preferida é Evie.
E o que acontece com as mulheres enquanto dormem em seus casulos? Este é um dos itens mais interessantes do livro, que agrega ainda mais simbolismo! As personagens femininas, após o sono, não desaparecem de cena e não são as belas adormecidas esperando pelos príncipes para salvá-las, como pensam os homens.


Evie ou Eve e a maldição Aurora formam uma alusão que nossa sociedade tem em culpar a mulher por tudo, o tempo todo. É uma referência ao pecado original, a doutrina cristã que explica a origem do sofrimento da humanidade, quando homens e mulheres teriam se tornado impuros e pecadores. Nessa ideia bíblica, a culpa é da primeira mulher, Eva (Eve em inglês), que aceitou da serpente um fruto proibido no paraíso e o ofereceu ao primeiro homem, Adão. Os Kings escreveram uma fantasia criticando esse olhar machista, egoísta e obsoleto. É uma boa história, muito complexa e para fazer o leitor pensar. Embora seja ficção fantástica, há muita realidade entrelaçada. É um romance cheio de críticas e opiniões pessoais dos Kings, tanto sociais como políticas. São várias pautas e assuntos, como questões de gênero, ambientalistas, o controle de armas, violência doméstica, racismo e preconceito, dependência química, desigualdade social, tratamento correto às doenças mentais, infidelidade conjugal, abuso sexual, suicídio, depressão.
Os Kings acertam e entregam um longo e complexo material, mais de fantasia que de terror, mesmo com algumas mortes e situações bem violentas. É menos sanguinário e gore que a maioria dos livros de SK. Também é uma história muito mais metafórica e simbólica. É um livro feminista que critica diretamente, sem medo ou enrolação, a sociedade machista, patriarcal, violenta e opressora em que vivemos. SK sempre deu vozes as mulheres e foi criado pela mãe e tias, reconhecendo as dificuldades delas frente ao cotidiano machista. Portanto, talvez alguns homens se ofendam com parte do conteúdo do livro ou achem que os Kings foram radicais em certas críticas ou que estereotiparam várias personagens, mas eu, como mulher, gostei muito do que encontrei e esse foi meu ápice da leitura. Não recomendo a leitura para qualquer leitor, mesmo que fã de SK, nem para qualquer momento. Recomendo para quem quer uma história repleta de críticas a nossa sociedade para ler sem pressa!
A vilania em Belas Adormecidas é o machismo; em homens, principalmente, mas também em mulheres, porém especialmente na forma como criamos meninos e meninas, como nos comportamos e perpetuamos esse comportamento. O machismo, que leva à opressão e à violência, em um mundo onde as mulheres não acordam mais, homens se perdem em caos e destruição.
A edição brasileira foi lançada pela Suma em outubro de 2017, possui folhas amareladas, orelhas e bom trabalho de diagramação e de revisão. O preço de tabela da versão impressa é R$ 74,90, mas ao pesquisar os preços você encontra o livro a partir de R$ 45,50. O e-Book custa R$ 39,90. Amazon | Americanas | Cultura | Saraiva | Submarino
O Grupo Companhia das Letras disponibiliza um trecho em seu site para degustação. Clique aqui para lê-lo.


Quote destaque:
"Filhos matavam filhos. Filhos matavam filhas. Filhos deixavam armas onde outros filhos podiam encontrá-las e dar tiros acidentais nas irmãs. Filhos queimavam florestas e filhos despejavam produtos químicos na terra assim que os inspetores ambientais iam embora. Filhos não ligavam nos aniversários. Filhos não gostavam de compartilhar. Filhos batiam em filhos, enforcavam namoradas. Filhos percebiam que eram maiores e nunca esqueciam. Filhos te machucariam se você não dissesse que acreditava na mentira deles. Filhos não ligavam para o mundo que deixariam para seus filhos e filhas, apesar de dizerem o contrário quando chegava a época da eleição."

PS.: Aparecem muitas, muitas mariposas marrons no livro. Uma enorme voou na minha cabeça enquanto eu lia. Foi um susto!



Os autores:
De GettyImages.com.
Stephen King é autor de mais de cinquenta livros best-sellers no mundo inteiro. Os mais recentes incluem Belas Adormecidas (em parceria com seu filho Owen King), Revival, O Último Turno, Achados & Perdidos, Mr. Mercedes, Escuridão Total Sem Estrelas (vencedor dos prêmios Bram Stoker e British Fantasy), Doutor Sono, Joyland, Sob a Redoma (que virou uma série de sucesso na TV ) e Novembro de 63 (que entrou no TOP 10 dos melhores livros de 2011 na lista do New York Times Book Review e ganhou o Los Angeles Times Book Prize na categoria Terror/Thriller e o Best Hardcover Novel Award da Organização International Thriller Writers).
Em 2003, King recebeu a medalha de Eminente Contribuição às Letras Americanas da National Book Foundation e, em 2007, foi nomeado Grão-Mestre dos Escritores de Mistério dos Estados Unidos.
Ele mora em Bangor, no Maine, com a esposa, a escritora Tabitha King.
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Owen King é autor dos romances Double Feature e We’re All in This Together: A Novella and Stories. Também é coautor de Intro to Alien Invasion e coeditor de Who Can Save Us Now? Brand New Superheroes and Their Amazing (Short) Stories. Ele mora em Rhinebeck, Nova York, com a esposa, a escritora Kelly Braffet, e a filha. Owen é o filho mais jovem dos autores Stephen King e Tabitha King.
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