A Lição de Anatomia do Temível Dr. Louison
Brasiliana Steampunk - livro 1
Enéias Tavares - Fantasy – Casa da Palavra / LeYa Brasil
320 páginas - 2014 - R$34,90
Comprar: Submarino | Saraiva (impresso, e-Book) | Cultura (impresso, e-Book) | Amazon
Sinopse:
"Você está preparado para a lição do doutor?
1911. Porto Alegre. Dirigíveis gigantescos dominam o céu. Abaixo, o vapor cinzento dos bondes, das fábricas e dos estaleiros ao redor soma-se à fumaça dos charutos, dos cachimbos e das cigarrilhas. Vozes robóticas, barulho de hélices e maquinários misturam-se ao alarido do povo.
De um Zepelin, desembarca Isaías Caminha, um jornalista carioca enviado à cidade para escrever uma matéria sobre o assassino em série Antoine Louison, que há poucos dias assombrava o local com um verdadeiro show de horrores: a exposição dos órgãos de suas vítimas.
A aventura começa depois que o Dr. Louison, finalmente capturado e preso no hospício, desaparece misteriosamente de sua cela de segurança máxima sem deixar vestígios. Nesta busca pelo paradeiro do assassino, Isaías e um grupo de investigadores ainda vão topar com conhecidos do Dr. Louison, pertencentes a uma sociedade secreta de intelectuais, chamada Parthenon Místico, que estão dispostos a tudo para defendê-lo e desmascarar os criminosos.
Esses amigos de Louison são alguns aclamados personagens da literatura brasileira, em brilhante reinvenção: Rita Baiana e Pombinha, de Aluísio Azevedo, Simão Bacamarte, de Machado de Assis, Solfieri, de Álvares de Azevedo, entre outros."
Resenha:
A Fantasy – Casa da Palavra é um selo editorial da Casa da Palavra (LeYa Brasil), coordenado pelo autor Affonso Solano. Após a publicação de grandes livros de ficção especulativa, o selo realizou em 2014 o 1º concurso literário A Fantasy Quer o Seu Mundo, para escolher uma história única, um mundo fantástico, um universo sem igual. Foram mais de 1.500 inscritos – autores e autoras de todo o Brasil. Todos com a expectativa de ver seu romance de fantasia publicado, um sonho realizado.
O vencedor foi Enéias Tavares, professor do Departamento de Letras Clássicas e Linguística da Universidade Federal de Santa Maria. Graduado em Letras, possui mestrado em Literatura Comparada e doutorado em Estudos Literários e parte da sua formação realizada na Universidade de York (Inglaterra).
Sua obra, a grande vencedora do concurso, é o primeiro livro do projeto Brasiliana Steampunk, que contará com obras de ficção científica ambientadas no Brasil: A Lição de Anatomia do Temível Doutor Louison. O livro estreou na Bienal de São Paulo de 2014 e só o fato de ter vencido tantos manuscritos, já o torna respeitável, ainda mais com um autor com um currículo impressionante. E atenção: esta é verdadeiramente uma obra de universo rico e único!
A produção do romance começou em 2009, em formato de conto, durante uma oficina de escrita criativa. O conto evoluiu em 2010 para uma novela e após dois anos pausado, Enéias retomou o projeto incluindo personagens clássicos da literatura brasileira, finalmente formando as partes principais do livro. A equipe da Fantasy deve ter tido um trabalho enorme para selecionar os finalistas. E a Casa da Palavra acertou na escolha do vencedor, aos meus olhos, além de texto caprichado, intenso e criativo, é um estilo inédito nas produções brasileiras.
Fãs de ficção especulativa (especialmente de steampunk) devem ler a obra, especialmente os curiosos ou admiradores de clássicos brasileiros. É uma experiência peculiar. Me senti não apenas em um mundo steampunk, mas dentro de um thriller complexo e vibrante! E acima de tudo, é uma obra filosófica, que aborda questões de ética, insanidade, amor e realização.
O autor inovou através do uso de personagens literárias de domínio público, fato já conhecido em produções inglesas e norte-americanas, mas ainda raridade no Brasil. Portanto, inserir personagens dos séculos XVIII e XIX em obras contemporâneas é comum em livros (e quadrinhos e filmes) estrangeiros, principalmente em fantasias que trabalham com histórias atemporais, no passado ou em universos paralelos.
Enéias utiliza deste cenário especulativo que permite imaginação quase ilimitada, o steampunk. Não consigo dosar os elogios ao autor, pois não basta escolher a ambientação poderosa; é necessário possuir o talento, visão e planejar o enredo para não se perder. O autor tem vocabulário e habilidades de escrita formidáveis, transformando a leitura em uma experiência diferente, equilibrando o lado humano e profundo das personagens ao exuberante cenário de ficção científica. Misturado a tudo isso, a trama contém o elemento principal: um assassino serial brutal. Esta figura pertence a uma sociedade secreta, o Parthenon Místico, que me lembrou de A Liga Extraordinária (do britânico Alan Moore, uma graphic novel adaptada para o cinema).
Para quem não sabe, steampunk é retrofuturista, um subgênero de ficção especulativa (geralmente passado durante 1800, 1900) em que a visitamos um passado bem diferente do nosso. É como se após a Revolução Industrial, o mundo se desenvolvesse de modo distinto; como se nossa tecnologia estivesse avançando para outros caminhos, baseados na mecânica e robótica, com o vapor alimentando dirigíveis, locomotivas e indústrias cinzentas. Resumindo, é como uma realidade paralela (passada) em que a tecnologia mecânica a vapor avançou até níveis improváveis. Sociedades secretas, teorias de conspirações, espionagem, crimes e guerras costumam ser temas das tramas steampunk.
O exemplar da Fantasy – Casa da Palavra está lindo, com páginas amareladas, orelhas largas, fonte agradável, revisão impecável e detalhes complementares interessantes. A ilustração da capa é de Rodney Buchemi e a do mapa é de Jéssica Lang.
O livro apresenta-se como uma carta do autor ao leitor, iniciando com o Sumário ritmado e convidativo, resumindo todos os passos que deverá seguir (a leitura), mas sem spoilers e, na verdade, atiçando bastante a curiosidade sobre os seguintes documentos e narrativas.
O conteúdo é composto por oito partes: Jornalistas & Monstros; Alienados & Alienistas; Aventureiros Místicos & Cafetinas de Luxo; Investigadores & Investigados; Sinfonias & Assassinatos (interlúdio); Homens Escravos & Mulheres Livres; Assassinos Sórdidos & Heróis Improváveis; Finalizações & Ponderações (conclusão).
Antes da primeira parte acessamos material complementar, como a Planta da Cidade de Porto Alegre dos Amantes, Capital do Estado do Rio-Grande-Sul, de 1911. Os locais que merecem a atenção do leitor: Hospício São Pedro, Palacete dos Prazeres e Mansão dos Encantos. Temos uma breve lista de personagens principais e uma nota sobre a grafia, ou melhor, "graphia". Calma, a linguagem do autor é preciosa e a intenção do ato não é deixar o texto pesado ou complicado, muito menos chato! É uma manobra irônica e que deixa a escrita personalizada. Nem é preciso se acostumar com o estilo; comecei a ler e já estava no clima. No discurso também nota-se o cuidado do autor, pois existem diferenças entre as personagens de diversas regiões e seu modo de falar, sem preconceitos, mantendo suas essências.
O autor criou suas personagens de modo tão (ou mais) interessante que suas companhias clássicas: O Dr. Antoine Louison é um médico renomado, carismático e respeitado, porém acusado de ser o serial killer que matou, retirou determinados órgãos de suas vítimas e os expôs em rebuscados desenhos. Trancafiado num hospício e prestes a receber a pena mais drástica, desaparece misteriosamente.
Beatriz de Almeida & Souza é uma talentosa escritora de mistérios, uma negra vinda de uma família de ex-escravos, amiga de Louison. Ela é mais misteriosa que sua ficção e a personagem que mais gostei! O autor se preocupou em encaixar as mulheres na trama não apenas como as damas fatais de steampunk, mas também como fortes e determinadas (ah, mas elas elas são fatais!). Beatriz é a personagem essencial da trama, em minha opinião.
O investigador Pedro Cândido é o determinado policial responsável pela procura e captura de Dr. Louison e tem seu senso de moral abalado quando descobre os segredos dos crimes. Finalizando o quarteto exclusivo de Enéias Tavares temos a Madame de Quental, pertencente a outro grupo estranho (Camarilha da Dor), da alta sociedade, uma adoradora de luxos e depravações.
O autor incluiu as personagens clássicas com muito cuidado e respeito (e com os créditos, mesmo sendo de domínio público), entretanto, trabalhou-as com singularidade e desenvolveu-as de jeito fascinante, principalmente suas personalidades, se aprofundando em seus sonhos, desejos e objetivos.
Rita Baiana, por exemplo, (O Cortiço, de Aluízio de Azevedo, 1890) deixa de ser apenas a mulata sensual e ganha voz, presença, sonhos. É transformada de caricatura a pessoa. Além dela, as independentes Pombinha e Léonie, também extraídas de O Cortiço, marcam presença como as proprietárias do Palacete dos Prazeres.
O time feminino é completado (e bem representado) por Vitória Acauã (Contos Amazônicos, Inglês de Souza, 1983), sendo a personagem com o misticismo mais marcante, e talvez a mais exótica dentre todas. Seu papel na trama é importante, visto que ela parece ser o elo que mantém o Parthenon Místico unido.
Os aventureiros Sergio Pompeu e Bento Alves (O Ateneu, de Raul Pompeia, 1888) também compõem o núcleo da Mansão dos Encantos e do Parthenon Místico, assim como Solfieri (Noite na Taverna, de Álvares de Azevedo, 1855) e Benignus (Doutor Benignus, de Augusto Emílio Zaluar, 1875).
O profissional Isaías Caminha (Recordações do Escrivão Isaías Caminha, de Lima Barreto, 1909) viaja de Rio de Janeiro de Todos os Orixás até Porto Alegre dos Amantes para pesquisar, investigar e descobrir os detalhes sobre os assassinatos cometidos por Dr. Louison e assim preparar um texto jornalístico. É ele o primeiro a narrar a história. Excelente escolha, porque ele desconhece tudo e todos em Porto Alegre, fazendo o leitor descobrir aos poucos o que realmente está acontecendo.
Simão Bacamarte (O Alienista, de Machado de Assis, 1882) é o médico psiquiatra famoso pelos estudos sobre a loucura e seus diferentes graus. Com um novo hospício sob sua direção, ele se empolga em avaliar o Dr. Louison, o serial killer, e é o responsável pela segunda parte do livro.
A terceira parte é uma sequência de documentos, incluindo cartas, gravações e diários dos integrantes do Parthenon Místico. O ritmo é dinâmico e muito bom para conhecermos bem as personagens envolvidas, especialmente suas intimidades e motivações. As quarta, quinta e sexta partes contêm clímax incrível e tira o fôlego do leitor, incluindo o interlúdio. São muitas respostas e questionamentos duros entregues ao leitor. E por último, a conclusão, quando um narrador importante retorna.
E o que acontecerá com Louison? Ele é realmente o assassino? Quais seriam suas verdadeiras motivações?
Com uma Porto Alegre retrofuturista, itens e características do steampunk e união entre personagens próprios do autor e da literatura clássica brasileira, esta é uma aventura cheia de suspense. Misturando tecnologia robótica, artefatos místicos, violência, amor e vingança, Enéias Tavares renova a literatura fantástica, não somente por realizar encontros entre personagens conhecidos, mas também pela estrutura da trama ousada e narrativas e pontos de vista variados. Tudo acompanhado de riqueza de vocabulário.
O elenco heterogêneo é o destaque e agrada também por romper preconceitos e estilos, apresentando pessoas de classes sociais e etnias diferentes. Suas imperfeições as fazem carismáticas e a lição do Dr. Louison é inesquecível.
Quando teremos outro volume de Brasiliana Steampunk? Os leitores de ficção especulativa precisam de mais obras nacionais como este tesouro de Enéias Tavares, a quem agradeço pelo carinho e envio do exemplar para avaliação.
O autor:
Enéias Tavares nasceu em 17 de novembro de 1981 à meia-noite. Especialisa nos livros iluminados de William Blake, leciona literatura clássica na Universidade Federal de Santa Maria, Rio Grande do Sul. É doutor em Letras, pesquisador, tradutor e escritor. De ficção, publicou As Idades do Homem na Coletânea 40, pela editora Libretos e Brasiliana Steampunk: A Lição de Anatomia do Temível Dr. Louison, pela Fantasy – Casa da Palavra.
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Brasiliana Steampunk - livro 1
Enéias Tavares - Fantasy – Casa da Palavra / LeYa Brasil
320 páginas - 2014 - R$34,90
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Sinopse:
"Você está preparado para a lição do doutor?
1911. Porto Alegre. Dirigíveis gigantescos dominam o céu. Abaixo, o vapor cinzento dos bondes, das fábricas e dos estaleiros ao redor soma-se à fumaça dos charutos, dos cachimbos e das cigarrilhas. Vozes robóticas, barulho de hélices e maquinários misturam-se ao alarido do povo.
De um Zepelin, desembarca Isaías Caminha, um jornalista carioca enviado à cidade para escrever uma matéria sobre o assassino em série Antoine Louison, que há poucos dias assombrava o local com um verdadeiro show de horrores: a exposição dos órgãos de suas vítimas.
A aventura começa depois que o Dr. Louison, finalmente capturado e preso no hospício, desaparece misteriosamente de sua cela de segurança máxima sem deixar vestígios. Nesta busca pelo paradeiro do assassino, Isaías e um grupo de investigadores ainda vão topar com conhecidos do Dr. Louison, pertencentes a uma sociedade secreta de intelectuais, chamada Parthenon Místico, que estão dispostos a tudo para defendê-lo e desmascarar os criminosos.
Esses amigos de Louison são alguns aclamados personagens da literatura brasileira, em brilhante reinvenção: Rita Baiana e Pombinha, de Aluísio Azevedo, Simão Bacamarte, de Machado de Assis, Solfieri, de Álvares de Azevedo, entre outros."
Resenha:
A Fantasy – Casa da Palavra é um selo editorial da Casa da Palavra (LeYa Brasil), coordenado pelo autor Affonso Solano. Após a publicação de grandes livros de ficção especulativa, o selo realizou em 2014 o 1º concurso literário A Fantasy Quer o Seu Mundo, para escolher uma história única, um mundo fantástico, um universo sem igual. Foram mais de 1.500 inscritos – autores e autoras de todo o Brasil. Todos com a expectativa de ver seu romance de fantasia publicado, um sonho realizado.
O vencedor foi Enéias Tavares, professor do Departamento de Letras Clássicas e Linguística da Universidade Federal de Santa Maria. Graduado em Letras, possui mestrado em Literatura Comparada e doutorado em Estudos Literários e parte da sua formação realizada na Universidade de York (Inglaterra).
Sua obra, a grande vencedora do concurso, é o primeiro livro do projeto Brasiliana Steampunk, que contará com obras de ficção científica ambientadas no Brasil: A Lição de Anatomia do Temível Doutor Louison. O livro estreou na Bienal de São Paulo de 2014 e só o fato de ter vencido tantos manuscritos, já o torna respeitável, ainda mais com um autor com um currículo impressionante. E atenção: esta é verdadeiramente uma obra de universo rico e único!
A produção do romance começou em 2009, em formato de conto, durante uma oficina de escrita criativa. O conto evoluiu em 2010 para uma novela e após dois anos pausado, Enéias retomou o projeto incluindo personagens clássicos da literatura brasileira, finalmente formando as partes principais do livro. A equipe da Fantasy deve ter tido um trabalho enorme para selecionar os finalistas. E a Casa da Palavra acertou na escolha do vencedor, aos meus olhos, além de texto caprichado, intenso e criativo, é um estilo inédito nas produções brasileiras.
Fãs de ficção especulativa (especialmente de steampunk) devem ler a obra, especialmente os curiosos ou admiradores de clássicos brasileiros. É uma experiência peculiar. Me senti não apenas em um mundo steampunk, mas dentro de um thriller complexo e vibrante! E acima de tudo, é uma obra filosófica, que aborda questões de ética, insanidade, amor e realização.
O autor inovou através do uso de personagens literárias de domínio público, fato já conhecido em produções inglesas e norte-americanas, mas ainda raridade no Brasil. Portanto, inserir personagens dos séculos XVIII e XIX em obras contemporâneas é comum em livros (e quadrinhos e filmes) estrangeiros, principalmente em fantasias que trabalham com histórias atemporais, no passado ou em universos paralelos.
Enéias utiliza deste cenário especulativo que permite imaginação quase ilimitada, o steampunk. Não consigo dosar os elogios ao autor, pois não basta escolher a ambientação poderosa; é necessário possuir o talento, visão e planejar o enredo para não se perder. O autor tem vocabulário e habilidades de escrita formidáveis, transformando a leitura em uma experiência diferente, equilibrando o lado humano e profundo das personagens ao exuberante cenário de ficção científica. Misturado a tudo isso, a trama contém o elemento principal: um assassino serial brutal. Esta figura pertence a uma sociedade secreta, o Parthenon Místico, que me lembrou de A Liga Extraordinária (do britânico Alan Moore, uma graphic novel adaptada para o cinema).
Para quem não sabe, steampunk é retrofuturista, um subgênero de ficção especulativa (geralmente passado durante 1800, 1900) em que a visitamos um passado bem diferente do nosso. É como se após a Revolução Industrial, o mundo se desenvolvesse de modo distinto; como se nossa tecnologia estivesse avançando para outros caminhos, baseados na mecânica e robótica, com o vapor alimentando dirigíveis, locomotivas e indústrias cinzentas. Resumindo, é como uma realidade paralela (passada) em que a tecnologia mecânica a vapor avançou até níveis improváveis. Sociedades secretas, teorias de conspirações, espionagem, crimes e guerras costumam ser temas das tramas steampunk.
O exemplar da Fantasy – Casa da Palavra está lindo, com páginas amareladas, orelhas largas, fonte agradável, revisão impecável e detalhes complementares interessantes. A ilustração da capa é de Rodney Buchemi e a do mapa é de Jéssica Lang.
O livro apresenta-se como uma carta do autor ao leitor, iniciando com o Sumário ritmado e convidativo, resumindo todos os passos que deverá seguir (a leitura), mas sem spoilers e, na verdade, atiçando bastante a curiosidade sobre os seguintes documentos e narrativas.
O conteúdo é composto por oito partes: Jornalistas & Monstros; Alienados & Alienistas; Aventureiros Místicos & Cafetinas de Luxo; Investigadores & Investigados; Sinfonias & Assassinatos (interlúdio); Homens Escravos & Mulheres Livres; Assassinos Sórdidos & Heróis Improváveis; Finalizações & Ponderações (conclusão).
Antes da primeira parte acessamos material complementar, como a Planta da Cidade de Porto Alegre dos Amantes, Capital do Estado do Rio-Grande-Sul, de 1911. Os locais que merecem a atenção do leitor: Hospício São Pedro, Palacete dos Prazeres e Mansão dos Encantos. Temos uma breve lista de personagens principais e uma nota sobre a grafia, ou melhor, "graphia". Calma, a linguagem do autor é preciosa e a intenção do ato não é deixar o texto pesado ou complicado, muito menos chato! É uma manobra irônica e que deixa a escrita personalizada. Nem é preciso se acostumar com o estilo; comecei a ler e já estava no clima. No discurso também nota-se o cuidado do autor, pois existem diferenças entre as personagens de diversas regiões e seu modo de falar, sem preconceitos, mantendo suas essências.
O autor criou suas personagens de modo tão (ou mais) interessante que suas companhias clássicas: O Dr. Antoine Louison é um médico renomado, carismático e respeitado, porém acusado de ser o serial killer que matou, retirou determinados órgãos de suas vítimas e os expôs em rebuscados desenhos. Trancafiado num hospício e prestes a receber a pena mais drástica, desaparece misteriosamente.
Beatriz de Almeida & Souza é uma talentosa escritora de mistérios, uma negra vinda de uma família de ex-escravos, amiga de Louison. Ela é mais misteriosa que sua ficção e a personagem que mais gostei! O autor se preocupou em encaixar as mulheres na trama não apenas como as damas fatais de steampunk, mas também como fortes e determinadas (ah, mas elas elas são fatais!). Beatriz é a personagem essencial da trama, em minha opinião.
O investigador Pedro Cândido é o determinado policial responsável pela procura e captura de Dr. Louison e tem seu senso de moral abalado quando descobre os segredos dos crimes. Finalizando o quarteto exclusivo de Enéias Tavares temos a Madame de Quental, pertencente a outro grupo estranho (Camarilha da Dor), da alta sociedade, uma adoradora de luxos e depravações.
O autor incluiu as personagens clássicas com muito cuidado e respeito (e com os créditos, mesmo sendo de domínio público), entretanto, trabalhou-as com singularidade e desenvolveu-as de jeito fascinante, principalmente suas personalidades, se aprofundando em seus sonhos, desejos e objetivos.
Rita Baiana, por exemplo, (O Cortiço, de Aluízio de Azevedo, 1890) deixa de ser apenas a mulata sensual e ganha voz, presença, sonhos. É transformada de caricatura a pessoa. Além dela, as independentes Pombinha e Léonie, também extraídas de O Cortiço, marcam presença como as proprietárias do Palacete dos Prazeres.
O time feminino é completado (e bem representado) por Vitória Acauã (Contos Amazônicos, Inglês de Souza, 1983), sendo a personagem com o misticismo mais marcante, e talvez a mais exótica dentre todas. Seu papel na trama é importante, visto que ela parece ser o elo que mantém o Parthenon Místico unido.
Os aventureiros Sergio Pompeu e Bento Alves (O Ateneu, de Raul Pompeia, 1888) também compõem o núcleo da Mansão dos Encantos e do Parthenon Místico, assim como Solfieri (Noite na Taverna, de Álvares de Azevedo, 1855) e Benignus (Doutor Benignus, de Augusto Emílio Zaluar, 1875).
O profissional Isaías Caminha (Recordações do Escrivão Isaías Caminha, de Lima Barreto, 1909) viaja de Rio de Janeiro de Todos os Orixás até Porto Alegre dos Amantes para pesquisar, investigar e descobrir os detalhes sobre os assassinatos cometidos por Dr. Louison e assim preparar um texto jornalístico. É ele o primeiro a narrar a história. Excelente escolha, porque ele desconhece tudo e todos em Porto Alegre, fazendo o leitor descobrir aos poucos o que realmente está acontecendo.
Simão Bacamarte (O Alienista, de Machado de Assis, 1882) é o médico psiquiatra famoso pelos estudos sobre a loucura e seus diferentes graus. Com um novo hospício sob sua direção, ele se empolga em avaliar o Dr. Louison, o serial killer, e é o responsável pela segunda parte do livro.
A terceira parte é uma sequência de documentos, incluindo cartas, gravações e diários dos integrantes do Parthenon Místico. O ritmo é dinâmico e muito bom para conhecermos bem as personagens envolvidas, especialmente suas intimidades e motivações. As quarta, quinta e sexta partes contêm clímax incrível e tira o fôlego do leitor, incluindo o interlúdio. São muitas respostas e questionamentos duros entregues ao leitor. E por último, a conclusão, quando um narrador importante retorna.
E o que acontecerá com Louison? Ele é realmente o assassino? Quais seriam suas verdadeiras motivações?
Com uma Porto Alegre retrofuturista, itens e características do steampunk e união entre personagens próprios do autor e da literatura clássica brasileira, esta é uma aventura cheia de suspense. Misturando tecnologia robótica, artefatos místicos, violência, amor e vingança, Enéias Tavares renova a literatura fantástica, não somente por realizar encontros entre personagens conhecidos, mas também pela estrutura da trama ousada e narrativas e pontos de vista variados. Tudo acompanhado de riqueza de vocabulário.
O elenco heterogêneo é o destaque e agrada também por romper preconceitos e estilos, apresentando pessoas de classes sociais e etnias diferentes. Suas imperfeições as fazem carismáticas e a lição do Dr. Louison é inesquecível.
Quando teremos outro volume de Brasiliana Steampunk? Os leitores de ficção especulativa precisam de mais obras nacionais como este tesouro de Enéias Tavares, a quem agradeço pelo carinho e envio do exemplar para avaliação.
O autor:
Enéias Tavares nasceu em 17 de novembro de 1981 à meia-noite. Especialisa nos livros iluminados de William Blake, leciona literatura clássica na Universidade Federal de Santa Maria, Rio Grande do Sul. É doutor em Letras, pesquisador, tradutor e escritor. De ficção, publicou As Idades do Homem na Coletânea 40, pela editora Libretos e Brasiliana Steampunk: A Lição de Anatomia do Temível Dr. Louison, pela Fantasy – Casa da Palavra.
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Olá Tatiana,
ResponderExcluirEsse livro está na minha lista de desejados e essa é a primeira resenha que leio dele, gosto demais do gênero e sua resenha me deixou ainda mais com vontade de lê-lo, ótima resenha.....bjs.
www.devoradordeletras.blogspot.com.br
Conclui a leitura hoje e realmente a tua resenha descreve exatamente o que senti quando lia, uma leitura fluida que nos deixa preso na trama como porto-alegrense me ambientei muito bem na história fazendo a imaginação me levar à minha Porto Alegre à todo vapor, estou ansioso pela continuação e das próximas histórias que o autor vai nos trazer "A Lição de anatomia" vai ter um lugar especial na minha vida por ter me identificado demais, espero que mais brasileiros possam desfrutar desta obra maravilhosa
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