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Resenha: O Impulso, de Ashley Audrain e Paralela (Grupo Companhia das Letras)

O Impulso (The Push)
Ashley Audrain - Editora Paralela (Grupo Companhia das Letras)
Tradução: Lígia Azevedo
328 páginas - R$ 49,90 (impresso) ou R$ 29,90 (e-book)
Lançamento: 22/01/2021

Sinopse:
"O que você faria se seus filhos não fossem quem você esperava? O impulso é o romance mais viciante do ano, uma leitura que irá questionar tudo o que assumimos sobre maternidade, sobre aquilo que devemos aos nossos filhos e sobre o que acontece quando deixamos de acreditar em mulheres cujas histórias são incômodas.
Blythe Connor está decidida a ser a mãe perfeita, calorosa e acolhedora que nunca teve. Porém, no começo exaustivo da maternidade, ela descobre que sua filha Violet não se comporta como a maioria das crianças. Ou ela estaria imaginando? Seu marido Fox está certo de que é tudo fruto do cansaço e que essa é apenas uma fase difícil.
Conforme seus medos são ignorados, Blythe começa a duvidar da própria sanidade. Mas quando nasce Sam, o segundo filho do casal, a experiência de Blythe é completamente diferente, e até Violet parece se dar bem com o irmãozinho. Bem no momento em que a vida parecia estar finalmente se ajustando, um grave acidente faz tudo sair dos trilhos, e Blythe é obrigada a confrontar a verdade.
Neste eletrizante romance de estreia, Ashley Audrain escreve com maestria sobre o que os laços de família escondem e os dilemas invisíveis da maternidade, nos convidando a refletir: até onde precisamos ir para questionar aquilo em que acreditamos?"

“Muito original, O impulso é uma leitura compulsiva e um mergulho nos recantos mais escuros da maternidade.” ― Kristin Hannah, autora best-seller do New York Times.

Resenha:
O Impulso (The Push), ao ser apresentado ao mercado editorial em 2019, causou alvoroço e teve os direitos de publicação comprados por mais de 25 países em apenas duas semanas. Os direitos para adaptação para cinema e televisão também foram adquiridos rapidamente, pela mesma produtora de filmes como Era uma Vez em Hollywood, História de um Casamento e da franquia Harry Potter.
A autora, a canadense Ashley Audrain, trabalhou como diretora de imprensa da Penguin Books Canada e ao se aposentar para cuidar da saúde de seu filho mais novo, começou a escrever e este é o resultado de seu primeiro trabalho. O Impulso se tornou, portanto, um dos romances de estreia mais aguardados do momento e o grande lançamento da Editora Paralela, do Grupo Companhia das Letras, para 2021.
É um drama psicológico com suspense e, embora não tenha um ritmo frenético, pode ser considerado um thriller, pois possui tensão, surpresas e o principal: narrativa provocante com cortes na cronologia, viajando por três gerações da família da protagonista. É pungente, intenso e perturbador. Mulheres vão se identificar com vários assuntos, incluindo alguns tabus, e questionarão muitos costumes sociais que rebaixam a mulher como indivíduo colocando sua prole, a maternidade e o casamento acima dela. Homens provavelmente se sentirão incomodados, talvez não tão apegados emocionalmente com a trama e, quem sabe, repensarão seu próprio comportamento em relação aos filhos, casamento e vida doméstica.

"Eu me lembro de um dia me dar conta de como meu corpo era importante para nossa família. Não meu intelecto, não minha ambições de uma carreira literária. Não a pessoa construída ao longo de trinta e cinco anos. Só meu corpo."

O formato da narrativa é um dos destaques. Em primeira pessoa, há o presente, nos tempos atuais, funcionando como uma abertura, onde a protagonista, Blythe Connor, tem uma história para contar: a versão dela da própria história, escrita por ela. Todavia, não é uma narrativa direcionada para quem lê; é para o marido, Fox. Por isso a narrativa é diferente e interessante. É como se o(a) leitor(a) fosse o Fox. Deste modo o texto vai ao passado, para quando Blythe conheceu Fox, mostrando como se envolveram, se casaram e tiveram a primeira filha, Violet, e o segundo, o Sam. Em alguns dos capítulos, Blythe retorna à infância, em busca de memórias com sua mãe. Lá ela encontra também o pai e uma vizinha mãe de um colega de escola.
A protagonista tem uma voz visceral, extremamente sincera, íntima e sem pudores. Ela disseca cada etapa do relacionamento amoroso dos dois, e de cada momento sobre a filha, das discussões sobre se ter um bebê, passando pelas concepções, gestações, partos, amamentações e educação das crianças. Blythe não se envergonha em contar seus sentimentos e pensamentos, muitos deles bastante chocantes para uma mãe, como um monólogo de confissão e entrega totais, envolvendo emoções negativas como rejeição, medo e frustração.
Porém, ela não é uma narradora confiável. Temos acesso somente ao que ela pensa/sente/imagina, nunca sabemos sobre as demais personagens além do que Blythe vê. Até que ponto as coisas aconteceram da forma narrada por Blythe? Essa é uma das principais questões do livro, mas não apenas como manobra de enredo tradicional de "narrador não confiável; é uma crítica e reflexão sobre como a sociedade recebe a versão e a palavra da mulher acerca de qualquer situação que envolva um homem. Especialmente se a mulher em si já tiver um histórico socialmente duvidoso, que no caso de Blythe, é o fato da mãe e da avó terem sido mães relapsas.
Os relatos de Blythe são capítulos numerados e intercalados com flashbacks em terceira pessoa, mostrando as vidas de sua mãe, Cecilia, e de sua avó, Etha. Estes capítulos à parte são sinalizados pelo ano em que ocorreram os fatos (de 1939 a 1975). O passado, tanto os flashbacks com Cecilia e Etha, como a infância de Blythe, é primordial para a trama. É um mosaico sobre quatro gerações de mulheres com problemas, que prendem tanto a atenção quanto os conflitos principais do enredo de Blythe e Violet. Não são exatamente peças para um quebra-cabeças, e sim um mosaico abstrato desordenado mas muito profundo e esclarecedor, mostrando faces sombrias e perturbadoras do relacionamento entre mãe e filha.

"As lembranças vívidas da minha infância começam quando eu tinha oito anos. eu queria não precisar recorrer somente às lembranças, mas é assim. Algumas pessoas enquadram sua perspectiva do passado com a ajuda de velhas fotografias ou das mesmas histórias contadas mil vezes por alguém que as ama. Eu não tive nada disso. Nem minha mãe, e talvez isso fosse parte do problema. Só tínhamos uma única versão da verdade."


As mulheres são criadas para serem mães, mesmo sem desejarem. Além da idealização e romantização da maternidade, de como a sociedade está sempre afirmando que ser mãe é a maior maravilha que uma mulher pode experimentar, sobre como todos os problemas e dificuldades encontrados pela mãe devam ser sempre ofuscados pelo tesouro de se ter a prole, há mais: idealização social da mulher. Submissa, abdicando de sua individualidade, desejos e personalidade para sempre servir como esposa e mãe. A pessoa por trás da mãe/esposa vem sempre após os filhos, o casamento e a vida doméstica.
O livro vai além e aborda e questiona outros assuntos, como o gaslighting no ambiente doméstico. Blythe enfrenta isso, pois embora Fox seja um marido razoável e não violento, ele duvida, questiona, desacredita e diminui a autoestima e capacidades da esposa. Ela pode trabalhar, mas somente nas horas vagas, após atingir a perfeição de mãe e esposa pelo padrão dele. O silenciamento feminino é triste, doloroso e incomoda, mesmo quando o casamento parece comum e tradicional. Isso levanta a reflexão sobre como as mulheres, especialmente as mães, são silenciadas e castradas como pessoas e não percebem.
Violet, a primeira filha do casal, mostra, desde o nascimento, temperamento difícil e comportamento anormal e imprevisível. Blythe recebe diariamente agressividade, teimosia e rebeldia oriundas da filha, enquanto esta idolatra o pai, com quem é carinhosa, prestativa e dócil. Blythe, por ter um histórico na família de mães falhas, se volta para o relacionamento escasso que teve com a mãe e força a se recordar do que sabe sobre a mãe com a avó. Isso, aliado ao gaslighting do marido, faz com que ela mergulhe na síndrome da impostora, gerando frustração, depressão e desespero. Violet tem aversão à mãe, mas não ao pai. Blythe se sente culpada e a todo tempo duvida de si mesma, embora nunca consiga abandonar o pouco de certeza de que Violet é que é o problema. Com o nascimento do segundo filho, Sam, Blythe tem uma experiência oposta à de quando Violet nasceu: Sam é amoroso, assertivo, fácil de lidar, tudo o que Violet não é. Blythe começa a pensar que não é um erro como mãe. Mas um acidente muda tudo na vida dela e da família, e é quando o livro se torna ainda mais viciante. É possível para uma mãe amar mais um filho que o outro? Blythe (com muita influencia de Fox) questiona a própria sanidade.

"Violet tinha uma mente brilhante, fascinante, e às vezes, eu desejava ter acesso a ela. ainda que temesse o que poderia encontrar."

Os tabus não acabam por aí. O limite do direito da mulher sobre o próprio corpo é uma das reflexões centrais, quando observa-se que muitas mulheres não gostariam de ter filhos e mesmo assim os têm. O livro não aborda apenas o aborto, e sim como as mulheres podem ser muitas vezes manipuladas e convencidas a engravidarem, seja por desejo do marido ou da família, ou simplesmente por acharem ser o caminho natural de toda mulher. Também há pensamentos sobre se culpar a mãe pelos erros e falhas dos filhos, independentemente do pai também criá-los. Para nossa sociedade, quase sempre se pergunta onde a mãe errou, onde estava a mãe, quando os filhos erram ou não obtêm o sucesso social.
Mais adiante, o livro trata de assuntos de saúde mental, como depressão, ansiedade, psicopatia e comportamento. Também debate herança de comportamento e como um grupo de genes pode interagir com o ambiente para a produção de determinado comportamento. Será que Blythe é uma pessoa insana e, por isso, uma mãe ruim? Será que isso é herança de família? O fato de ter tido uma mãe ruim, faz dela uma mãe ruim para a filha? Será que Fox está certo em questionar as capacidades maternais da esposa? Será que ela é tão falha que faz Violet não se apegar?
Foi uma leitura viciante, instigante e de temas femininos e sociais muito intensos. Me entreteve, pois me conectei às personagens; evitei julgá-las, tentava compreendê-las. E acima de tudo: a autora escreve bem como poucos, transformando cenas cotidianas em verdadeiros conflitos, reflexões e questionamentos. Particularmente, o livro mexeu muito comigo, mesmo não sendo mãe. É excelente, a escrita é forte, intensa e, principalmente, subversiva. A narrativa é bem planejada. A trama, com capítulos curtos e flashbacks complementares, é interessante. É um drama doméstico e psicológico muito questionador. Acredito que as reflexões sejam mais intensas até que o próprio desenvolvimento de enredo, por isso a leitura foi uma experiência de sucesso: me fez pensar em coisas muito incômodas sobre nossa sociedade patriarcal e machista.



A Editora Paralela enviou um exemplar de prova antecipada para divulgação como cortesia, ainda em processo de revisão e diagramação. Portanto, não posso julgar este pontos e o aspecto final do exemplar impresso. A tradução é da Lígia Azevedo. O lançamento será em 22 de janeiro, mas o livro já está em pré-venda, na Amazon, nos formatos físico ou e-book. 
Indico O Impulso para quem adora o estilo de Elena Ferrante ou os livros Precisamos Falar Sobre Kevin (Lionel Shriver), Garota Exemplar (Gillian Flynn), A Mulher na Janela (A. J. Finn), A Garota no Trem (Paula Hawkins), Os Segredos de Rose Gold (Stephanie Wrobel) e Estou Pensando em Acabar com Tudo (Iain Reid).

A autora:
Ashley Audrain tem 37 anos e trabalhou anteriormente como diretora de imprensa da Penguin Books Canada. Em 2015, uma crise de saúde com seu filho mais novo a fez se aposentar. Ela descobriu que escrever era uma ocupação que poderia exercer em casa. Hoje vive em Toronto, onde ela e seu parceiro estão criando seus dois filhos pequenos. O Impulso é seu primeiro romance.

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