A Casa do Céu (A House in the Sky)
Amanda Lindhout e Sara Corbett - Novo Conceito
Tradução: Ivar Panazzolo
448 páginas - Ano: 2013 - R$34,90
Sinopse:
"Quando criança, Amanda escapava de um lar violento folheando as páginas da revista National Geographic e imaginando-se em lugares exóticos.
Aos dezenove anos, trabalhando como garçonete, ela começou a economizar o dinheiro das gorjetas para viajar pelo mundo.
Na tentativa de compreendê-lo e dar sentido à vida, viajou como mochileira pela América Latina, Laos, Bangladesh e Índia. Encorajada por suas experiências, acabou indo também ao Sudão, Síria e Paquistão. Em países castigados pela guerra, como o Afeganistão e o Iraque, ela iniciou uma carreira como repórter de televisão. Até que, em agosto de 2008, viajou para a Somália — “;o país mais perigoso do mundo”;. No quarto dia, ela foi sequestrada por um grupo de homens mascarados em uma estrada de terra.
Mantida em cativeiro por 460 dias, Amanda converteu-se ao islamismo como tática de sobrevivência, recebeu “;lições sobre como ser uma boa esposa”; e se arriscou em uma fuga audaciosa. Ocupando uma série de casas abandonadas no meio do deserto, ela sobreviveu através de suas lembranças — cada um dos detalhes do mundo em que vivia antes do cativeiro —, arquitetando estratégias, criando forças e esperança. Nos momentos de maior desespero, ela visitava uma casa no céu, muito acima da mulher aprisionada com correntes, no escuro e que sofria com as torturas que lhe eram impostas.
De maneira vívida e cheia de suspense, escrito como um excepcional romance, A Casa do Céu é a história íntima e dramática de uma jovem intrépida e de sua busca por compaixão em meio a uma adversidade inimaginável."
Links: Novo Conceito | degustação | Skoob | comprar com 50% de desconto*
(*Conforme data da postagem.)
Resenha:
Á primeira vista a capa parece simples demais, mostra: Da prisão ao céu.
O contexto é intenso conforme o leitor vai compreendendo o seu significado durante a leitura. Simboliza a mistura do sofrimento, vazio e peso com a esperança e a fé que Amanda sofreu durante seus quinze meses de confinamento.
Os detalhes representam uma transformação. Como criar barreiras e blocos íntimos para se blindar, tentar sofrer o mínimo possível e sempre focar na libertação; construir seu mundo interior, independentemente dos abusos e dores que flagelam seu corpo e mente; tecer seu lugar privado, mesmo quando a realidade exterior é a pior possível; resistir à tentação de enlouquecer e se perder para sempre. Amanda reinventa seu mundo e a si própria para voar para a liberdade: A sua Casa do Céu, a sua liberdade mental enquanto seu corpo é preso.
Ponto positivo para a diagramação linda, com enfeite no alto da página de cada capítulo.
O livro não possui um sumário e existe o aviso de que não é uma obra de ficção.
Sempre inicio a leitura de não ficção com receios. Já que é uma história verdadeira, penso se realmente é. Imagino o quanto ocorre de modificações, adaptações, cortes e reorganização. É muito preconceituoso começar assim, já que estou ciente que é biografia e que sempre existem mudanças. Concluindo este pensamento, é impossível uma história ser contada ao pé da letra, como acontecera com perfeição. A Casa do Céu é um trabalho fabuloso e o preconceito logo desapareceu.
Todos os quarenta e quatro capítulos possuem títulos e nesse caso eu gostei. Ainda mais quando se referiam às "casas-cativeiros" como a Casa Elétrica. Os nomes são incríveis: a Casa dos Construtores de Bombas, a Casa Cafona, a Casa da Fuga. Mas eu tive medo, chorei e sofri com Amanda mesmo foi na Casa Escura.
Temos o Prólogo que explica em poucas linhas a ideia e proposta do livro. E também o Epílogo, porque temos tantos pensamentos, reflexões, perguntas... Como Amanda (e também Nigel - o capturado junto a ela) continuaram suas vidas após todos os horrores.
O livro é um pouco grosso, mas leitores que temem muitas páginas não se sintam inseguros! A linguagem e narrativa são bem simples e realmente soa como um relato.
Amanda parece estar contando diretamente a você o que aconteceu. A narrativa em primeira pessoa cria intimidade com o leitor. Em alguns momentos ela é mais didática e preocupada com a ordem das coisas, em nos mostrar o funcionamento dos locais por onde ela viajou, por exemplo. Em outros momentos (os melhores e também os mais pesados do livro), ela é mais lúdica e sentimental.
O livro é instrutivo e curioso quando ela nos narra sua visão sobre culturas distintas da dela. Depois se torna um terror psicológico tão grande que eu chorava e pausava a leitura imaginando como ela conseguiu ser forte para sobreviver àquele pesadelo infindável, violento e real.
Ela introduz o essencial explicando de onde surgiram as ideias de viajar pelo planeta, de conhecer outros locais e pessoas. Como isso evoluiu para estar em zonas de conflitos ou regiões consideradas perigosas, principalmente assoladas por guerrilhas e conflitos. Como começou com um sonho infantil, uma idealização de um mundo vasto, exótico e cheio de descobertas esperando pela jovem exploradora sem preconceitos e ávida por aventuras. Muitas pessoas adorariam viajar e viajar... Sempre existe um lugar especial que adoraria visitar, não é?
Com Amanda foi assim: das páginas de velhas revistas National Geographic ela imaginava como deveria ser emocionante estar além do Canadá. A riqueza como ela narra seus desejos e devaneios - e isso vale para todo o livro - cativa e envolve o leitor, fazendo com que se imagine na pele dela. Amanda faz o leitor sonhar com ela.
Ela parte para a ação corajosamente. Juntando cada centavo ela se torna mochileira praticamente profissional. São muitas aventuras (e perigos) por ela vivenciados, mas nada muito grave. Ela vive intensamente e coleciona tantas viagens que começa a se sentir perita em áreas de "zona vermelha".
Cria então uma nova meta: Sustentar suas viagens... viajando. Ela observa os jornalistas ao redor e inicia tentativas de ser fotógrafa, repórter, jornalista. Assim conhece Nigel, fotógrafo da Austrália.
A primeira parte do livro equivalente a um terço é dedicada a mostrar todo o desenvolvimento das viagens de Amanda e suas experiências anteriores ao sequestro. Não teria sentido já começar o livro com o rapto. Não é um livro de ação, é uma história real. Precisamos compreender a motivação da viagem para a Somália. Talvez alguns leitores achem um pouco monótono, mas eu que adoro turismo realista, me liguei à história.
Por um momento até julguei Amanda como ousada demais. Ir para tantas regiões perigosas? Com idiomas e religiões diferentes? No caso da Somália, onde a maioria é muçulmana extremista e trata a mulher de forma inferior... Parece loucura uma ocidental branca passear pela linha de conflitos - muito complexos.
Depois que Nigel e Amanda são sequestrados percebemos como os envolvidos têm base no Alcorão (o livro sagrado dos muçulmanos) e como existem tantas interpretações nessas escrituras que funcionam como guia social, religioso e cultural. O papel da mulher, as justificativas da Jihad (tanto a pessoal como a geral) e o tratamento dado aos prisioneiros.
O leitor deve se preparar para os dois terços restantes do livro. O Alcorão faz diversas referências aos cativos escravos, à mulher e aos não. Não devemos generalizar, e sim respeitar todas as religiões. Eu sou assim, desde que ela seja praticada sem ignorância e seus fiéis sejam respeitados e tratados como iguais.
Achei a seguinte expressão antiquada e maldosa: "Aqueles a quem tua mão direita possui." - Ou seja, se a pessoa pertence a você, se é prisioneira, você pode fazer o que quiser com ela. Mesmo que determinadas coisas sejam erradas / proibidas às tradições muçulmanas, essas regras não são aplicadas aos escravos.
Amanda sofre abusos, torturas, privações e as ações mais chocantes por parte de seus sequestradores. É desesperador, humilhante, doloroso e cruel para qualquer ser humano. Não tenho palavras.
Nigel era muito maltratado, porém não como Amanda, por ser homem. Ao menos segundo o relato dela. Ele também publicou um livro sobre sua experiência.
Uma palavra que me marcou dentre tantas foi Inshallah, que a princípio, parecia "amanhã" ou "em breve". Porém é muito mais complicada, significa futuro, mas não se sabe quando. Deve-se esperar calmamente pela chegada do desejo, que no caso de Amanda era a liberdade.
Com este livro o leitor aprende muito sobre a cultura dos muçulmanos. Temos diversos exemplos, dos mais brandos aos mais extremistas. Vemos o lado positivo e o negativo pelos olhos de Amanda.
Concluo o seguinte: Somente Amanda para saber o que passou. Nada que ela exponha é capaz de transmitir seus sentimentos. Mas este livro é valioso. Sinto vontade de pedir: "Leia, mesmo que não goste, reflita sobre o que ela sofreu e o que muitas pessoas sofrem”.
Não costumo destacar trechos, mas separei dois interessantes:
Até cogitei se ela não sofreu da Síndrome de Estocolmo, quando o sequestrado tem algum tipo de ligação ou afeição pelo sequestrador, mesmo sofrendo os piores abusos. Ela parece tentar ganhar a simpatia dos captores a todo o instante, utilizando até mesmo o Islã como base e tentando ensinar coisas aos adolescentes. Para que se identificassem com ela, a respeitassem, a libertassem ou ao menos a tratassem como muçulmana respeitosa. Ela se converteu ao Islamismo para a verem como igual.
Uma defesa para justificar que àquilo vai acabar? Uma justificativa ao enxergar os sequestradores como adolescentes ignorantes e vítimas do mundo que os criou? Que não são maldosos por natureza e sim pela criação e meio sociocultural?
Não a julgo. Imaginei mil coisas, mas não a julgo. Podemos opinar, nunca julgar.
Se você não gosta de biografias, talvez um tanto modeladas, mas adora uma história emocionante, deve ponderar ler A Casa do Céu. Autobiografia é um caso à parte, porque às vezes a pessoa tem uma excelente história de vida para contar, porém não escreve profissionalmente.
No caso da Amanda, ela contou com uma coautora, a Sarah Corbett e ao ler esse livro você tem noção total do porquê.
É caso especial: Amanda sofreu tanto, por tanto tempo, que ficou psicologicamente abalada. Ao conversar com a Sarah elas gravaram todos os relatos, além de analisarem os manuscritos da Amanda. Esta tentava se lembrar de todos os detalhes possíveis, especialmente a ordem cronológica dos acontecimentos.
Todos os terapeutas envolvidos no tratamento de grave estresse pós-traumático ajudaram também na composição dos relatos.
Complementando, a família da Amanda e os agentes participantes da negociação com os sequestradores também colaboraram.
Ela é sobrevivente e ativista social que ajuda mulheres da Somália e do Quênia a terem o mínimo de respeito através do básico como educação e saúde. Ela continua viajando, não perdeu o medo de viver nem a esperança no ser humano.
Creio que uma história tão drástica deva mesmo ser contada e divulgada. As pessoas deveriam ler e pensar em como isso é comum, principalmente com jornalistas em zonas conflituosas. Todo livro é feito para ser vendido, claro, mas aqui temos uma importante história de resistência, dor, esperança e superação.
Imagina uma mulher branca ocidental não muçulmana que não fala os idiomas locais da Somália sequestrada e torturada em cativeiro por quatrocentos e sessenta dias? Se qualquer caso de sequestro, até mesmo os relâmpagos aqui no Brasil, tão comuns e horríveis traumatizam vidas, imagine o que Amanda sofreu. Eu não consigo. Leia e tente imaginar.
As autoras:
Amanda Lindhout é fundadora da Global Enrichment Foundation (Fundação para o Enriquecimento Global), uma organização sem fins lucrativos que apoia iniciativas para o desenvolvimento, ajuda humanitária e educação na Somália e no Quênia.
Twitter | Site | Global Enrichment Foundation | Facebook | Pinterest | GEF Youtube | Instagram
Sara Corbett é colaboradora da The New York Times Magazine. Seus trabalhos também apareceram em publicações como National Geographic, Elle, Outside, Oprah Magazine, Esquire e Mother Jones.
Twitter | Byliner
Vídeo da Amanda falando sobre A Casa do Céu (em inglês, sem legendas, mas gostei.):
Amanda Lindhout e Sara Corbett - Novo Conceito
Tradução: Ivar Panazzolo
448 páginas - Ano: 2013 - R$34,90
Sinopse:
"Quando criança, Amanda escapava de um lar violento folheando as páginas da revista National Geographic e imaginando-se em lugares exóticos.
Aos dezenove anos, trabalhando como garçonete, ela começou a economizar o dinheiro das gorjetas para viajar pelo mundo.
Na tentativa de compreendê-lo e dar sentido à vida, viajou como mochileira pela América Latina, Laos, Bangladesh e Índia. Encorajada por suas experiências, acabou indo também ao Sudão, Síria e Paquistão. Em países castigados pela guerra, como o Afeganistão e o Iraque, ela iniciou uma carreira como repórter de televisão. Até que, em agosto de 2008, viajou para a Somália — “;o país mais perigoso do mundo”;. No quarto dia, ela foi sequestrada por um grupo de homens mascarados em uma estrada de terra.
Mantida em cativeiro por 460 dias, Amanda converteu-se ao islamismo como tática de sobrevivência, recebeu “;lições sobre como ser uma boa esposa”; e se arriscou em uma fuga audaciosa. Ocupando uma série de casas abandonadas no meio do deserto, ela sobreviveu através de suas lembranças — cada um dos detalhes do mundo em que vivia antes do cativeiro —, arquitetando estratégias, criando forças e esperança. Nos momentos de maior desespero, ela visitava uma casa no céu, muito acima da mulher aprisionada com correntes, no escuro e que sofria com as torturas que lhe eram impostas.
De maneira vívida e cheia de suspense, escrito como um excepcional romance, A Casa do Céu é a história íntima e dramática de uma jovem intrépida e de sua busca por compaixão em meio a uma adversidade inimaginável."
Links: Novo Conceito | degustação | Skoob | comprar com 50% de desconto*
(*Conforme data da postagem.)
Resenha:
Á primeira vista a capa parece simples demais, mostra: Da prisão ao céu.
O contexto é intenso conforme o leitor vai compreendendo o seu significado durante a leitura. Simboliza a mistura do sofrimento, vazio e peso com a esperança e a fé que Amanda sofreu durante seus quinze meses de confinamento.
Os detalhes representam uma transformação. Como criar barreiras e blocos íntimos para se blindar, tentar sofrer o mínimo possível e sempre focar na libertação; construir seu mundo interior, independentemente dos abusos e dores que flagelam seu corpo e mente; tecer seu lugar privado, mesmo quando a realidade exterior é a pior possível; resistir à tentação de enlouquecer e se perder para sempre. Amanda reinventa seu mundo e a si própria para voar para a liberdade: A sua Casa do Céu, a sua liberdade mental enquanto seu corpo é preso.
Ponto positivo para a diagramação linda, com enfeite no alto da página de cada capítulo.
O livro não possui um sumário e existe o aviso de que não é uma obra de ficção.
Sempre inicio a leitura de não ficção com receios. Já que é uma história verdadeira, penso se realmente é. Imagino o quanto ocorre de modificações, adaptações, cortes e reorganização. É muito preconceituoso começar assim, já que estou ciente que é biografia e que sempre existem mudanças. Concluindo este pensamento, é impossível uma história ser contada ao pé da letra, como acontecera com perfeição. A Casa do Céu é um trabalho fabuloso e o preconceito logo desapareceu.
Todos os quarenta e quatro capítulos possuem títulos e nesse caso eu gostei. Ainda mais quando se referiam às "casas-cativeiros" como a Casa Elétrica. Os nomes são incríveis: a Casa dos Construtores de Bombas, a Casa Cafona, a Casa da Fuga. Mas eu tive medo, chorei e sofri com Amanda mesmo foi na Casa Escura.
Temos o Prólogo que explica em poucas linhas a ideia e proposta do livro. E também o Epílogo, porque temos tantos pensamentos, reflexões, perguntas... Como Amanda (e também Nigel - o capturado junto a ela) continuaram suas vidas após todos os horrores.
O livro é um pouco grosso, mas leitores que temem muitas páginas não se sintam inseguros! A linguagem e narrativa são bem simples e realmente soa como um relato.
Amanda parece estar contando diretamente a você o que aconteceu. A narrativa em primeira pessoa cria intimidade com o leitor. Em alguns momentos ela é mais didática e preocupada com a ordem das coisas, em nos mostrar o funcionamento dos locais por onde ela viajou, por exemplo. Em outros momentos (os melhores e também os mais pesados do livro), ela é mais lúdica e sentimental.
O livro é instrutivo e curioso quando ela nos narra sua visão sobre culturas distintas da dela. Depois se torna um terror psicológico tão grande que eu chorava e pausava a leitura imaginando como ela conseguiu ser forte para sobreviver àquele pesadelo infindável, violento e real.
Ela introduz o essencial explicando de onde surgiram as ideias de viajar pelo planeta, de conhecer outros locais e pessoas. Como isso evoluiu para estar em zonas de conflitos ou regiões consideradas perigosas, principalmente assoladas por guerrilhas e conflitos. Como começou com um sonho infantil, uma idealização de um mundo vasto, exótico e cheio de descobertas esperando pela jovem exploradora sem preconceitos e ávida por aventuras. Muitas pessoas adorariam viajar e viajar... Sempre existe um lugar especial que adoraria visitar, não é?
Com Amanda foi assim: das páginas de velhas revistas National Geographic ela imaginava como deveria ser emocionante estar além do Canadá. A riqueza como ela narra seus desejos e devaneios - e isso vale para todo o livro - cativa e envolve o leitor, fazendo com que se imagine na pele dela. Amanda faz o leitor sonhar com ela.
Ela parte para a ação corajosamente. Juntando cada centavo ela se torna mochileira praticamente profissional. São muitas aventuras (e perigos) por ela vivenciados, mas nada muito grave. Ela vive intensamente e coleciona tantas viagens que começa a se sentir perita em áreas de "zona vermelha".
Cria então uma nova meta: Sustentar suas viagens... viajando. Ela observa os jornalistas ao redor e inicia tentativas de ser fotógrafa, repórter, jornalista. Assim conhece Nigel, fotógrafo da Austrália.
A primeira parte do livro equivalente a um terço é dedicada a mostrar todo o desenvolvimento das viagens de Amanda e suas experiências anteriores ao sequestro. Não teria sentido já começar o livro com o rapto. Não é um livro de ação, é uma história real. Precisamos compreender a motivação da viagem para a Somália. Talvez alguns leitores achem um pouco monótono, mas eu que adoro turismo realista, me liguei à história.
Por um momento até julguei Amanda como ousada demais. Ir para tantas regiões perigosas? Com idiomas e religiões diferentes? No caso da Somália, onde a maioria é muçulmana extremista e trata a mulher de forma inferior... Parece loucura uma ocidental branca passear pela linha de conflitos - muito complexos.
Depois que Nigel e Amanda são sequestrados percebemos como os envolvidos têm base no Alcorão (o livro sagrado dos muçulmanos) e como existem tantas interpretações nessas escrituras que funcionam como guia social, religioso e cultural. O papel da mulher, as justificativas da Jihad (tanto a pessoal como a geral) e o tratamento dado aos prisioneiros.
O leitor deve se preparar para os dois terços restantes do livro. O Alcorão faz diversas referências aos cativos escravos, à mulher e aos não. Não devemos generalizar, e sim respeitar todas as religiões. Eu sou assim, desde que ela seja praticada sem ignorância e seus fiéis sejam respeitados e tratados como iguais.
Achei a seguinte expressão antiquada e maldosa: "Aqueles a quem tua mão direita possui." - Ou seja, se a pessoa pertence a você, se é prisioneira, você pode fazer o que quiser com ela. Mesmo que determinadas coisas sejam erradas / proibidas às tradições muçulmanas, essas regras não são aplicadas aos escravos.
Amanda sofre abusos, torturas, privações e as ações mais chocantes por parte de seus sequestradores. É desesperador, humilhante, doloroso e cruel para qualquer ser humano. Não tenho palavras.
Nigel era muito maltratado, porém não como Amanda, por ser homem. Ao menos segundo o relato dela. Ele também publicou um livro sobre sua experiência.
Uma palavra que me marcou dentre tantas foi Inshallah, que a princípio, parecia "amanhã" ou "em breve". Porém é muito mais complicada, significa futuro, mas não se sabe quando. Deve-se esperar calmamente pela chegada do desejo, que no caso de Amanda era a liberdade.
Com este livro o leitor aprende muito sobre a cultura dos muçulmanos. Temos diversos exemplos, dos mais brandos aos mais extremistas. Vemos o lado positivo e o negativo pelos olhos de Amanda.
Concluo o seguinte: Somente Amanda para saber o que passou. Nada que ela exponha é capaz de transmitir seus sentimentos. Mas este livro é valioso. Sinto vontade de pedir: "Leia, mesmo que não goste, reflita sobre o que ela sofreu e o que muitas pessoas sofrem”.
Não costumo destacar trechos, mas separei dois interessantes:
"O que você imagina sobre um lugar é sempre diferente do que você encontra quando chega lá: em cada país, em cada cidade, em cada quarteirão, é possível encontrar pais que amam seus filhos, vizinhos que cuidam uns dos outros e crianças prontas para brincar. Pensei que certamente encontraria histórias que valeria a pena contar. Com certeza, haveria algum mérito em tentar relatá-las. Eu sabia que coisas ruins aconteciam. Não era totalmente ingênua. Já vira uma boa quantidade de armas e miséria até então. Mas, de maneira geral, eu sempre estivera à parte de tudo aquilo, desfrutando das coisas boas e deixando os perigos passarem por mim como se eu não estivesse realmente lá."No segundo trecho é notável o quanto ela mantém esperança, perdão, resiliência e um determinado nível de controle quando está no ápice do cativeiro:
"Tentei localizar o que ocorrera de bom no que acontecera em cada dia. Procurava por quaisquer momentos em que meus captores houvessem demonstrado sua humanidade: Dou graças porque, hoje, Jamal colocou minha comida no chão em vez de jogá-la em mim. Dou graças porque Abdullah fez a saudação Asalaamu Alikum quando entrou no meu quarto. Estou feliz por ter ouvido por alguns segundos, os garotos rindo e brincando no corredor, porque isso me fez lembrar que, mesmo que por apenas um minuto, há um adolescente dentro de cada um deles que deseja ser livre para viver a própria vida."É impressionante, até mesmo inacreditável como ela tenta enxergar algo bom nas piores coisas possíveis. Soa até duvidoso. Talvez ela seja uma pessoa extremamente bondosa, ou tenha sentido isso quando presa e abusada; talvez tenha sido a forma escolhida para sobreviver dos captores e até mesmo de si própria. Somente a bondade e esperança para fortalecer a pessoa e não deixá-la cair no ódio e desespero e quem sabe, suicídio ou atos insanos, foi o que Amanda me passou.
Até cogitei se ela não sofreu da Síndrome de Estocolmo, quando o sequestrado tem algum tipo de ligação ou afeição pelo sequestrador, mesmo sofrendo os piores abusos. Ela parece tentar ganhar a simpatia dos captores a todo o instante, utilizando até mesmo o Islã como base e tentando ensinar coisas aos adolescentes. Para que se identificassem com ela, a respeitassem, a libertassem ou ao menos a tratassem como muçulmana respeitosa. Ela se converteu ao Islamismo para a verem como igual.
Uma defesa para justificar que àquilo vai acabar? Uma justificativa ao enxergar os sequestradores como adolescentes ignorantes e vítimas do mundo que os criou? Que não são maldosos por natureza e sim pela criação e meio sociocultural?
Não a julgo. Imaginei mil coisas, mas não a julgo. Podemos opinar, nunca julgar.
Se você não gosta de biografias, talvez um tanto modeladas, mas adora uma história emocionante, deve ponderar ler A Casa do Céu. Autobiografia é um caso à parte, porque às vezes a pessoa tem uma excelente história de vida para contar, porém não escreve profissionalmente.
No caso da Amanda, ela contou com uma coautora, a Sarah Corbett e ao ler esse livro você tem noção total do porquê.
É caso especial: Amanda sofreu tanto, por tanto tempo, que ficou psicologicamente abalada. Ao conversar com a Sarah elas gravaram todos os relatos, além de analisarem os manuscritos da Amanda. Esta tentava se lembrar de todos os detalhes possíveis, especialmente a ordem cronológica dos acontecimentos.
Todos os terapeutas envolvidos no tratamento de grave estresse pós-traumático ajudaram também na composição dos relatos.
Complementando, a família da Amanda e os agentes participantes da negociação com os sequestradores também colaboraram.
Ela é sobrevivente e ativista social que ajuda mulheres da Somália e do Quênia a terem o mínimo de respeito através do básico como educação e saúde. Ela continua viajando, não perdeu o medo de viver nem a esperança no ser humano.
Creio que uma história tão drástica deva mesmo ser contada e divulgada. As pessoas deveriam ler e pensar em como isso é comum, principalmente com jornalistas em zonas conflituosas. Todo livro é feito para ser vendido, claro, mas aqui temos uma importante história de resistência, dor, esperança e superação.
Imagina uma mulher branca ocidental não muçulmana que não fala os idiomas locais da Somália sequestrada e torturada em cativeiro por quatrocentos e sessenta dias? Se qualquer caso de sequestro, até mesmo os relâmpagos aqui no Brasil, tão comuns e horríveis traumatizam vidas, imagine o que Amanda sofreu. Eu não consigo. Leia e tente imaginar.
Sara e Amanda. |
Twitter | Site | Global Enrichment Foundation | Facebook | Pinterest | GEF Youtube | Instagram
Sara Corbett é colaboradora da The New York Times Magazine. Seus trabalhos também apareceram em publicações como National Geographic, Elle, Outside, Oprah Magazine, Esquire e Mother Jones.
Twitter | Byliner
Vídeo da Amanda falando sobre A Casa do Céu (em inglês, sem legendas, mas gostei.):
Que resenha incrível! Tive a oportunidade de ler esse livro e se tornou a história mais linda que já li na vida. Uma prova de superação, de desafio, de determinação e esperança. Foi um livro que me comoveu, me fez chorar e me fez acreditar que mesmo nesse mundo que vivemos ainda há uma "Casa do Céu" e não devemos nunca perder as esperanças.
ResponderExcluirConcordo com todos os pontos que você colocou e ressalto que a riqueza cultural e religiosa do livro é grande e já estou a procura de mais livros com essa temática porque me encantei. Acho que é um livro que todos deveriam ler porque vai muito além de uma história: é uma realidade, é mais comum do que parece. É tanto que tô emprestando pra várias pessoas (três até agora) e enquanto se mostrarem interessados, estarei emprestando.
Se puder dar uma passadinha lá no blog e ler a minha resenha: http://surtosliterarios.blogspot.com.br/2014/03/resenha-casa-do-ceu.html
Oi, Mallu, foi essa a lição que aprendi: Jamais perder as esperanças.
ExcluirRecomendo para você o livro Infiel - A história de uma mulher que desafiou o islã da Ayaan Hirsi Ali e Companhia das Letras. A história de uma muçulmana que luta pelos direitos femininos. Incrível.
Lerei Eu sou Malala, também da Companhia das Letras, deve ser lindo.
Beijos.
Dicas anotadas!
ExcluirMuito obrigada e parabéns mais uma vez pela resenha.
Beijos!
Eu que agradeço, espero que curta as dicas, são muito ricas sobre essa cultura tão distinta da nossa. Beijos.
ExcluirParabéns Tati, pela resenha incrível! Estou louca querendo ler esse livro, parece ser uma história muito boa e o fato de ser real a torna mais fascinante ainda.
ResponderExcluirAmanda foi muito corajosa por não se entregar ao confinamento e lutar por sua sobrevivência, deve ser um lindo livro mesmo. Gostei!
Beijos
Lindsay, querida! Tenho um exemplar extra para sorteio, porém não sei se as pessoas vão querer, ao menos você já deixou sua opinião :) É sempre importante esse retorno nos comentários das resenhas para eu saber.
ExcluirÉ um livro fascinante e você vai amar.
Beijos.
Nossa, que legal!
ExcluirEspero que mais leitores do blog se interessem por esse livro e você faça mesmo um sorteio, estarei concorrendo com certeza!
Beijos
Planejarei o sorteio do exemplar, Lindsay, algo simples. Espero que goste e obrigada!! Beijos.
ExcluirOi Tatiana, um livro sem dúvida forte, que me emocionou em vários momentos. Eu realmente não sei como ela aguentou tanto tempo.
ResponderExcluirBjs, Rose.
Oi, Rose, também me emocionei demais e pesquisei muito sobre a Amanda, ela é um exemplo de força e bondade! Beijos.
Excluir