James Baldwin - Companhia das Letras
Tradução: Jorio Dauster
Posfácio: Márcio Macedo
224 páginas - R$ 49,90 (impresso) ou R$ 34,99 (ebook)
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Sinopse:
"Tish tem dezenove anos quando descobre que está grávida de Fonny, de vinte e dois. A sólida história de amor dos dois é interrompida bruscamente quando o rapaz é acusado de ter estuprado uma porto-riquenha, embora não haja nenhuma prova que o incrimine. Convicta da honestidade do noivo, Tish mobiliza sua família e advogados na tentativa de libertá-lo da prisão.
Se a Rua Beale Falasse é um romance comovente que tem o Harlem da década de 1970 como pano de fundo. Ao revelar as incertezas do futuro, a trama joga luz sobre o desespero, a tristeza e a esperança trazidos a reboque de uma sentença anunciada em um país onde a discriminação racial está profundamente arraigada no cotidiano."
Resenha:
Originalmente publicado em 1974, o quinto romance de James Baldwin, um dos autores mais importantes da literatura do século XX, chegou em 2019 ao Brasil pela Companhia das Letras: Se a Rua Beale Falasse. O livro inspirou o filme homônimo dirigido por Barry Jenkins, vencedor do Oscar por Moonlight: Sob a Luz do Luar. Embora a edição mantenha o padrão estético dos demais livros de Baldwin já publicados pela editora, Terra Estranha e O Quarto de Giovanni, com o nome do autor em destaque na capa, o livro ganhou uma jacket como sobrecapa com uma imagem do filme, com a atriz Kiki Layne e o ator Stephan James, que deram vida ao casal protagonista da trama, Clementine "Tish" Rivers e Alonzo "Fonny" Hunt. O exemplar físico possui páginas amareladas e orelhas. A edição foi traduzida por Jorio Dauster e contém um excelente posfácio de Márcio Macedo, além de ótima revisão. (Este exemplar foi cedido para resenha pelo Grupo Companhia das Letras.)
Tish e Fonny moram no mesmo bairro e se conhecem desde crianças. Agora, com dezenove anos, Tish comunica à família que aceita o pedido de casamento de Fonny, com vinte e dois, aspirante a escultor. Esta seria mais uma história romântica de jovens apaixonados, se não fosse uma pequena série de acontecimentos que culmina em grande injustiça. Fonny é preso por estupro. A vítima, uma porto-riquenha, o reconhece como o agressor. Mas Tish sabe que seu noivo não fez isso. Sua família, a mãe, Sharon, o pai, Joseph, e sua irmã, Ernestine, a apoia e não mede esforços para ajudá-la na luta por inocentar Fonny e retirá-lo o mais rapidamente da prisão. A família dele também participa, porém menos ativamente: os pais Frank e Senhora Hunt, e as irmãs Adrienne e Sheila.
Tish está grávida e não quer que o pai de seu bebê continue injustamente preso enquanto ela o cria sem ele. A gravidez parece fortalecer e impulsionar Tish e a família ainda mais.
Importante ressaltar que as mulheres são mais ativas, decididas e práticas que os homens perante o problema. Tish, Sharon e Ernestine formam um trio admirável, que faz o possível para inocentar Fonny, incluindo contratar um bom advogado.
Ele tem um trabalho difícil, pois a vítima, Victoria Rogers, não foi mais encontrada para dar novo depoimento. E, aos poucos, a história vai mostrando que existem outros detalhes no caso. Detalhes racistas que levaram Fonny à prisão. Mais que inocentá-lo, Tish precisa lutar contra o injusto e racista sistema.
Uma curiosidade é que a trama não se passa numa rua chamada Beale. Esta fica em Memphis, no Teneessee, sul dos Estados Unidos, berço do blues e local do assassinato de Martin Luther King Jr., amigo do autor e um dos mais importantes líderes do movimento dos direitos civis dos negros.
A história se passa quase que totalmente em bairros negros de Nova Iorque, especialmente no Harlen, no ano de 1973. Apenas um certo acontecimento se passa em San Juan, em Porto Rico.
O cenário é importante, assim como as relações e hierarquia dos moradores e frequentadores dos locais. Outro item a ser observado são as relações familiares, incluindo as divisões dos espaços físicos das residências. Conversas formais ocorrem na sala de estar, mas o coração da casa é sempre a cozinha, onde o cotidiano brilha e as famílias realmente vivem.
O livro começa com Fonny já preso e é narrado em primeira pessoa, por Tish. Ela faz uma retrospectiva dos acontecimentos que levaram à prisão do noivo. Sua voz é muito verdadeira e convincente, tanto que em alguns momentos me esquecia de que o livro foi escrito por um homem. A primeira impressão era de que a moça seria insegura, mas ela cresce como personagem, amadurece e se torna corajosa e muito decidida. Na verdade, há uma forte ingenuidade em Tish, talvez devido a pouca idade, para logo em seguida esta característica ser notada como empatia.
A narrativa possui forte ligação com o blues, o jazz e o soul, com referências musicais como Aretha Franklin, Marvin Gaye, Ray Charles, Billie Holiday e B. B. King, fazendo a melancolia presente nas músicas se espalhar pelas cenas.
Quarenta e cinco anos após a publicação, a história continua mais que atual: é urgente e necessária. As questões de raça, sexualidade e gênero estão presentes em seus livros, pois Baldwin, um homem negro e gay, não foi apenas escritor e poeta, mas também ativista dos direitos civis e amigo de Medgar Evers, Malcolm X e, conforme já citei, Martin Luther King Jr.. Em Se a Rua Beale Falasse temas delicados como racismo, colorismo, violência policial e institucional, masculinidade e encarceramento em massa são abordados utilizando uma linguagem sensível, realista e reflexiva, sempre focando no cotidiano de famílias de bairros negros de Nova Iorque, evidenciando o universo cultural, religioso e político afro-americano.
O colorismo está presente em diversos momentos, até mesmo na narrativa de Tish. Tanto ela como Fonny são negros. Porém Tish possui a pele mais escura que Fonny e a família dele. A mãe e as irmãs de Fonny não consideram Tish boa o suficiente para ser a esposa do rapaz. O autor aborda o fato de que, dentro de comunidades negras, os indivíduos de tons de pele mais claros tendem a ser mais valorizados e beneficiados socialmente. Isso acontece na trama e é triste ver que Tish não se considera bonita como as negras mais claras ou Fonny. Isso se reflete também em outros momentos, porque nos Estados Unidos, todos os não-caucasianos sofrem algum tipo de discriminação, incluindo os latinos, porém quanto mais branco for o tom da pele e quanto mais caucasianos forem os traços fenótipos, menos racismo o indivíduo sofre e maior é a chance de ascensão social.
Mas o tom de pele de Fonny, mesmo sendo mais claro que de Tish, não o isentou de ser acusado por estupro. Ele foi injustamente apontado como o estuprador, apenas por ser negro - a única característica que aparentemente ele e o verdadeiro criminoso parecem ter. A vítima estava abalada demais e, portanto, facilmente manipulável. O autor aponta aqui como Fonny, ao ser acusado, é vítima não apenas de violência e injustiça policial e institucional, e do racismo em si, mas também do estereótipo racista do negro sexualmente insaciável, violento e que não se controla ao conviver com mulheres brancas, criado por uma sociedade supremacista branca.
A masculinidade tóxica aparece sob diversas formas além do estupro de Victoria, principalmente a partir do sexismo na hierarquia social, explícito na forma como os homens tratam as mulheres. Não apenas em atos de violência, mas também em ações que poderiam ser interpretadas como proteção. Essa masculinidade é nociva também aos homens e culmina também em violência sexual, no caso na prisão.
A prisão é um cenário misterioso, sombrio e desconhecido, pois a narrativa não é de quem está preso. Nela, Fonny, e também seu amigo Daniel, se torna outra pessoa e o autor utiliza isso para mostrar o quanto o encarceramento é terrível, violento e destruidor, um sistema desumano, deprimente e frustrante.
James Baldwin publicou mais de vinte livros de ficção e não-ficção e tornou-se um dos escritores mais importantes do século XX. Infelizmente, desconhecido pela maioria do público leitor no Brasil. Após décadas longe das livrarias brasileiras, está ganhando novas traduções e edições pela Companhia das Letras, em um momento onde suas ideias, mensagens e linguagens são incrivelmente necessárias e atuais. Não conhecia o trabalho de Baldwin, e, portanto, neste primeiro contato, posso dizer que me apaixonei.
Ele critica e aponta os problemas do racismo e da pobreza da sociedade, mas é com ternura e melancolia que apresenta suas personagens, que representam com fidelidade pessoas reais dos guetos estadunidenses. O livro é um drama romântico bastante realista, sensível, profundo e tocante, levando a discussões assuntos importantes como racismo estrutural, encarceramento em massa, violência da polícia, injustiça com a população não-caucasiana, masculinidade negra e colorismo. Uma leitura que mostra as consequências e feridas causadas pela segregação racial nos Estados Unidos, mas que serve também para o Brasil. Leitura obrigatória a todos que se preocupam com o rumo que nosso mundo está tomando. Se a Rua Beale Falasse é uma história curta mas inesquecível!
Dentre mil reflexões, após pesquisar sobe Baldwin, falecido em 1987 na França, devido a um câncer no estômago, me questiono o que ele pensaria sobre a situação dos negros e da população LGBT nos tempos atuais.
Trailer do filme:
Um dos nomes mais destacados da literatura americana do século XX, James Baldwin nasceu em Nova York em 1924. É autor de uma vasta obra de ficção e não ficção. Entre seus principais temas, sobressaem a luta racial e as questões de sexualidade e identidade. Morreu em Saint-Paul de Vence em 1987.
Outros romances de James Baldwin pela Companhia das Letras: O Quarto de Giovanni e Terra Estranha.
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