Graça & Fúria - livro 1
Tracy Banghart - Editora Seguinte (Grupo Companhia das Letras)
Tradução: Isadora Prospero
304 páginas - R$ 39,90 (impresso) ou R$ 27,99 (ebook)
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Sinopse:
"Em Viridia, as mulheres não têm direitos. Em vez de rainhas, os governantes escolhem periodicamente três graças – jovens que viveriam ao seu dispor. Serina Tessaro treinou a vida inteira para se tornar uma graça, mas é Nomi, sua irmã mais nova, quem acaba sendo escolhida pelo herdeiro.
Nomi nunca aceitou as regras que lhe eram impostas e aprendeu a ler, apesar de a leitura ser proibida para as mulheres. Seu fascínio por livros a levou a roubar um exemplar da biblioteca real – mas é Serina quem acaba sendo pega com ele nas mãos. Como punição, a garota é enviada a uma ilha que serve de prisão para mulheres rebeldes.
Agora, Serina e Nomi estão presas a destinos que nunca desejaram – e farão de tudo para se reencontrar."
Resenha:
Graça & Fúria (Grace and Fury), publicação de 2018, é o primeiro volume da duologia homônima escrita pela estadunidense Tracy Banghart, publicada no Brasil pela Editora Seguinte, o selo juvenil do Grupo Companhia das Letras. A edição brasileira, traduzida por Isadora Prospero, merece destaque, pois a capa dupla de Claudia Espínola de Carvalho com ilustração de Carolina Pontes é espetacular! Pode pesquisar: não há capa mais linda e tão condizente com o enredo como a edição da Seguinte. O exemplar físico possui orelhas, marcador de páginas destacável, páginas amareladas e excelentes revisão, preparação e diagramação.
A sequência e desfecho de Graça e Fúria é intitulada Glória & Ruína (Queen of Ruin), e já está disponível nas livrarias de todo o país desde julho de 2019. Na data de lançamento recebi como cortesia da Companhia das Letras um exemplar de Graça & Fúria para resenha e já imaginava que a leitura seria ótima, porque a Seguinte tem publicado seguidamente obras excelentes, mas não imaginava que estaria iniciando um livro que seria favoritado com tanta empolgação!
Graça & Fúria vai muito além de uma capa bela com letras douradas: É uma fantasia Young Adult muito feminista, cheia de reviravoltas, ação, romance, suspense e intrigas políticas. É exatamente o tipo de livro que recomendo para todos, especialmente garotas adolescentes e jovens mulheres, com exemplos de como meninas e mulheres devem se unir e se apoiar. Um livro que eu queria muito que existisse quando eu era adolescente.
"A lei proibia que as mulheres lessem. Na verdade, a lei proibia que fizessem praticamente qualquer coisa além de parir, trabalhar em fábricas e limpar a casa de homens ricos."
O cenário é o reino fictício Viridia, que tem ares de Itália em seu visual, cultura, clima e gastronomia. Poderia ser um ambiente paradisíaco e próspero, se não fosse pela sociedade extremamente machista, patriarcal e estagnada. A população não possui chances de ascensão social e econômica, as mulheres não têm direitos e autonomias básicas, como escolher por exemplo se deseja se casar (e com quem) e o povo é regido por uma monarquia absolutista tirana.
De tempos em tempos, o monarca superior escolhe três moças para serem suas Graças, ou seja, concubinas. Prestes a completar vinte anos de idade, será a primeira vez que Malachi, o herdeiro de Viridia, escolherá três Graças, visto que o superior está velho e doente.
Serina Tessaro, uma jovem de dezoito anos residente da província de Lanos, treinou e se preparou desde sempre para ser escolhida como uma Graça. Para ela, este é o único modo de sua família pobre ascender socialmente. Seus pais, e seu irmão, Rezo, e sua irmã, Nomi, não vão precisar mais trabalhar como criados ou em fábricas superexploradoras. Ao ser selecionada para a disputa final, Serina é acompanhada por Nomi, um pouco mais jovem, como sua aia oficial. A próxima etapa ocorre no palazzo do rei, quando o próprio príncipe escolherá dentre as melhores candidatas de todo o reino suas três primeiras graças.
Enquanto Serina foi preparada pela família e mimada sempre que possível, para ser bela, delicada, submissa, agradável e afável, aprendendo os encantos e modos que uma donzela recatada e do lar deve possuir para agradar um homem exigente, Nomi nunca aceitou as ordens e imposições sociais. Ela está frequentemente questionando as leis machistas. Autodidata, secretamente aprende a ler e escrever. Com a ajuda do irmão gêmeo, Nomi mergulha nos livros, tanto didáticos como de ficção, absorvendo todo o conhecimento ao alcance, e sonhando com os grandiosos contos de fadas das brochuras.
"As mulheres em Viridia eram oprimidas porque os homens tinham medo delas.
Mulheres já tinham governado aquele país. E a história as tinha desacreditado."
Receosa, Nomi acompanha a empolgada Serina até a capital, para a seleção das Graças do herdeiro. Interessante notar que, embora com visões diferentes, ambas querem mudar suas vidas. Enquanto Nomi sonha com uma forma de quebrar o sistema e encarar o mundo para ter uma chance de poder escolher sua própria vida e ver Serina também poder escolher a dela, Serina quer retirar a família da miséria e exploração, especialmente a irmã, que tem potencial para se meter em confusões devido à língua afiada e ao pensamento inconformado e crítico. Elas se amam e se respeitam, apesar de suas diferenças e futuros papéis distintos.
Nomi acompanha Serina muito contrariada: afinal, a irmã está sendo disponibilizada para ser mais uma no futuro harém do príncipe, e para ela, essa será uma vida de escravidão, ainda pior que o trabalho da mãe na fábrica de costura. Já Serina vê como possibilidade de melhoria de vida e proteção para a família.
O livro, narrado em terceira pessoa alternando os pontos de vista entre Nomi e Serina a cada capítulo, já traz uma reviravolta intensa no começo: Malachi escolhe suas três primeiras Graças. Seus nomes são: Cassia, Mari e... Nomi! As irmãs, em choque total, são obrigadas a trocarem de lugar e tudo o que elas aprenderam é jogado fora. Serina agora é aia de Nomi e Nomi é a Graça do príncipe! Como elas vão encarar suas novas posições? Vão precisar se adaptar, aprender, desconstruir pensamentos e encarar desafios. Em um primeiro momento, Nomi se desespera em ser uma Graça, visto que não possui treinamento — e nem o temperamento — e Serina se ressente por ter a irmã em seu lugar, para o qual tanto treinou.
"Tudo naquele mundo, até as prisões, colocavam as mulheres umas contra as outras."
Temi pelas vidas das protagonistas e por sua saúde psicológica pois o cenário é desfavorável e tudo parece ser um jogo maldoso comandado por homens poderosos: o rei, o príncipe herdeiro e, ainda o príncipe mais jovem, Asa, irmão de Malachi, que aparenta ser menos maquiavélico que os parentes. As demais mulheres em cena no palazzo são as criadas, que podem ser vigias, as Graças do rei, que demonstram hostilidade ou distância, e as outras duas novas Graças. Uma parece quase tão desconfortável quanto Nomi, e a outra, mais preparada e empolgada que Serina estava.
Tive medo das irmãs perderem a amizade, confiança, amor e respeito que têm entre si. Mas a autora escolhe outro caminho e, mesmo quando forçada a separação, o vínculo único entre as irmãs permanece e se torna o foco principal. Neste momento temos outra reviravolta incrivelmente inesperada, e então, enquanto Nomi deve disputar com as outras duas jovens para ser escolhida a graça principal do príncipe, a que lhe dará os herdeiros no futuro, Serina entra em uma competição muito mais brutal e sangrenta. Porém ambas estão em risco, em ambientes desfavoráveis, em posições desconfortáveis para as quais não foram preparadas, mas sempre pensando uma na outra.
"Acho que as mulheres [...] , neste país, vão se rebelar um dia. Meu pai costumava dizer que a opressão não é um estado final. É um peso que se carrega até que não se possa mais."
Várias personagens surgem e o núcleo que se destaca para mim é o que convive com Serina. São personagens femininas com histórias cheias de suspense e tão curiosas e incríveis que cada uma poderia facilmente ganhar um conto, eu os leria com avidez. A autora foca aqui na sororidade e demonstra o quanto ela é essencial para as mulheres.
No início do livro, com a obrigação de Serina ser uma Graça, a autora já critica a forma como geralmente nossa sociedade impõe que as meninas sejam dóceis, agradáveis e sem grandes aspirações profissionais e econômicas. E ao acrescentar a proibição de qualquer mulher ser alfabetizada e acessar conhecimento, demonstra a importância da leitura e do estudo para o desenvolvimento do pensamento crítico e questionador que todo cidadão deve ter a oportunidade de exercer. Ao mostrar Nomi rompendo esta barreira, a autora entrega o aperitivo de que Graça & Fúria será uma obra que expõe um reino sombrio, que na verdade é nossa sociedade machista, mas que acima de tudo será uma história sobre romper barreiras e preparar uma rebelião.
Ao jogar Serina em um cenário cruel de disputa extrema entre mulheres, a autora também mostra como mulheres e meninas podem ser manipuladas a uma competição desnecessária e dolorosa na vida real.
Ao contrário de muitas distopias com sociedades misóginas, Graça & Fúria não se concentra na tortura ou violência contra as mulheres. Não apenas por ser uma fantasia voltada ao público Jovem Adulto, mas por focar em como as mulheres podem enfrentar a misoginia, a opressão e o machismo na vida real: através da união. Através de organização, sororidade e respeito, as mulheres se juntam, se empoderam e se tornam mais fortes. Uma leitura que mostra como é possível se adaptar, mudar e enfrentar o machismo sempre que necessário. E que meninas e mulheres precisam respeitar as diferenças entre si e se apoiarem e se ajudarem mutuamente.
— Em todas as histórias, as mulheres desistem de tudo [...] Por que acha que é assim? [...]
— Porque todos têm medo do que aconteceria se resolvêssemos lutar."
Glória & Ruína é a continuação de Graça & Fúria e o desfecho da duologia. É muito legal recomendar um livro maravilhoso já sabendo que o desfecho encontra-se disponível. Ele já está aqui na minha lista de leitura e em breve a resenha será postada aqui no blog, pois não quero demorar para lê-lo!
Graça & Fúria é uma fantasia feminista Young Adult empolgante e empoderadora, e um exemplo de como distopias opressoras podem apresentar enredo e cenário misóginos e, ainda assim, respeitar as personagens femininas. E de quebra, transmitir mensagens de superação, sororidade e revolução. Livro cinco estrelas e na prateleira de favoritos!
Mais que uma mensagem de força e rebelião, Graça & Fúria é sobre união e respeito.
Tracy Banghart cresceu na zona rural de Maryland, nos Estados Unidos. É formada em inglês pelo Davidson College, na Carolina do Norte, e pós-graduada em editoração pela Universidade Oxford Brookes, na Inglaterra.
Atualmente, Tracy se dedica totalmente à escrita e viaja o mundo com o marido, o filho e seus animais de estimação.
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Dicas de leitura:
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Se você já curte algum deles, com certeza vai adorar Graça & Fúria!
- A Caçadora de Dragões (Kristen Ciccarelli, Seguinte);
- Princesa das Cinzas (Laura Sebastian, Arqueiro) resenha;
- A Rainha de Tearling (Erika Johansen, Suma) resenha;
- A Rebelde do Deserto (Alwyn Hamilton, Seguinte) resenha;
- Jogos Vorazes (Suzanne Collins, Rocco) resenha;
- Corte de Espinhos e Rosas (Sarah J. Maas, Galera);
- A Rainha Vermelha (Victoria Aveyard, Seguinte) resenha;
- O Beijo Traiçoeiro (Erin Beaty, Seguinte);
- A Fúria e a Aurora (Renée Ahdieh, Globo Alt).
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