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[Resenha] A Máquina do Tempo, de H. G. Wells e Suma (Grupo Companhia das Letras)

A Máquina do Tempo (The Time Machine)
H. G. Wells - Editora Suma / Grupo Companhia das Letras
Tradução: Braulio Tavares
168 páginas - R$ 44,90 (impresso em capa dura) e R$ 29,90 (ebook) - trecho
Comprar: Amazon | Livraria CulturaKobo | Saraiva

Sinopse:
"A bordo de sua Máquina do Tempo, o cientista que narra esta história parte do século XIX para o ano de 802701. Nesse futuro distante, ele descobre que o sofrimento da humanidade foi transformado em beleza, felicidade e paz. A Terra é habitada pelos dóceis Eloi, uma espécie que descende dos seres humanos e já formou uma antiga e enorme civilização. Mas os Eloi parecem ter medo do escuro, e têm todos os motivos para isso: em túneis subterrâneos vivem os Morlocks, seus maiores inimigos. Quando a Máquina do Tempo que levou o Viajante some, ele é obrigado a descer às profundezas para recuperá-la e voltar ao presente.
Misturando uma imaginação singular, um tema inovador e muitas reviravoltas, A Máquina do Tempo foi o primeiro romance publicado por H. G. Wells, em 1895. Chamado de gênio e considerado um pioneiro, Wells abriu caminho não só para seus livros e sua visão de mundo, mas para novas possibilidades na literatura."

Resenha:

Os romances de ficção científica do britânico Herbert George Wells (1866-1946), classificados por ele mesmo na época como romances científicos, tornaram-se referência para muitas obras posteriores da ficção especulativa, especialmente os clássicos A Máquina do Tempo (The Time Machine, 1895), A Ilha do Dr. Moreau (The Island of Dr. Moreau, 1896), O Homem Invisível (The Invisible Man, 1897) e A Guerra dos Mundos (The War of the Worlds, 1898). Já ganharam várias edições no Brasil, mas finalmente estão sendo publicados em edição especial com capa dura e material extra pela Editora Suma, do Grupo Companhia das Letras.
Em 2016 a coleção de clássicos da ficção científica da Suma foi inaugurada por A Guerra dos Mundos e em 2018 foi a vez de A Máquina do Tempo, edição belíssima com ilustrações de Davi Augusto e tradução, prefácio e notas de Braulio Tavares. Traz ainda um apêndice com o prefácio da edição de 1931 escrito pelo próprio autor, com sua opinião e visão sobre a obra e um pouco do processo de criação e escrita. Além da capa dura com acabamento soft touch, extras e ilustrações em preto-e-branco, o exemplar possui páginas amareladas e ótima revisão e diagramação. Recebi o exemplar para resenha e já no dia seguinte comecei a leitura.


A Máquina do Tempo inaugurou o subgênero da ficção especulativa de histórias sobre viagens no tempo. Foi a primeira trama onde se realiza a viagem utilizando um procedimento científico (uma máquina) e não um instrumento sobrenatural (como magias, feitiços e poções, sonhos e meios desconhecidos).
Importante lembrar que o século XIX foi cheio de inovação tecnológica e industrial, como a locomotiva, o telégrafo, o telefone, o conceito da máquina analítica (calculadora mecânica e precursora dos computadores), a fotografia (do daguerreótipo à Kodak instantânea), o cinematógrafo (equipamento de fotografia e projeção que exibia em rápida sequência uma série de instantâneos) e ainda revólveres e metralhadoras, motor de combustão interna e turbina a vapor, sismógrafo, lava-louças e aspirador de pó. Destaque para o primeiro automóvel (carruagem a vapor). E é isso que a máquina do Tempo de Wells aparenta ser, um carro de aparência peculiar para viajar no tempo.
Só o fato da viagem no tempo ser feita de forma mecânica e não mágica, criada e controlada pelo homem (é possível se sentar nela e manipulá-la para ir à época que desejar, ir e voltar conforme a vontade), já é inovador. Mas Wells não para no hardware belo e curioso; continua no software, em como a viagem  através dela é realizada. O autor apresenta na ficção a teoria de que além das três dimensões físicas (altura, largura e profundidade) existe uma quarta, que é o tempo. Para alguma coisa existir são necessárias as três dimensões da forma e, ainda, o tempo de duração. O Viajante de Wells percorre pelo tempo de existência dos objetos.
 Ainda assim, a obra é mais de fantasia que ficção científica e as explicações são simples e rápidas, bem como a linguagem do autor. Pensei que se tratava de uma história de estilo rebuscado e vocabulário de época, talvez maçante, mas encontrei o oposto. Minha sensação foi de ler algo escrito nos dias atuais para se parecer com algo escrito no século XIX. Achei agradável, leve e clara. Realmente gostei da dinâmica da narrativa e desenvolvimento de enredo, por isso indico a obra também para quem não gosta muito de ficção científica pesada. A história é tão incrível que deveria ser mais extensa e detalhada, com mais viagens por épocas diferentes.


O Viajante do Tempo, cientista e pensador britânico e protagonista da trama, reúne alguns amigos e conhecidos para contar sobre seu novo experimento: uma máquina do tempo. Após oito dias, em um jantar com o grupo reunido novamente, relata como foi seu primeiro teste. Ele diz ter ido ao ano de 802.701! Incrível não é? Ele não vai apenas décadas ou séculos a frente, ele arrisca logo ir a milhares de anos no futuro. Adorei a ideia, porque acho que seria mais difícil pensar assim tão adiante do que alguns séculos. Chega um momento que o Viajante vai a milhões de anos!
A narrativa ocorre em primeira pessoa por dois narradores, um passivo e um ativo. Um não identificado, que é um dos companheiros presentes nos jantares; e o protagonista, que relata sua viagem no tempo e conclusões sobre a humanidade e tem o discurso predominante. É possível observar a reação dos outros integrantes da reunião perante o relato do Viajante.
Em geral, as personagens não têm nome. Possuem títulos de acordo com sua profissão ou característica marcante, como o Médico, o Professor, o Jornalista ou o Viajante do Tempo. Já das criaturas humanoides do futuro, apenas uma é nomeada, pois se torna íntima do protagonista.
O cenário da história é o mesmo, porém muda drasticamente. O protagonista não se afasta fisicamente do local inicial, apenas temporalmente. Ele permanece num raio de aproximadamente dez quilômetros quadrados de sua residência, no subúrbio londrino. Interessante observar como a viagem no tempo é, por uma análise superficial, feita sem sair do lugar. Por isso todo o estudo (análise, suposições e teorias) do Viajante acerca da experiência é eurocêntrico, pois ele reflete e filosofa sobre as mudanças na humanidade e sociedade através de um microcosmo, avaliando somente uma localidade limitada do planeta. Será que em toda a Terra a vida se tornou como presenciada pelo Viajante?


Ele conta que no futuro tão distante encontrou duas raças derivadas dos seres humanos, os andrógenos e pacíficos Eloi, que vivem na superfície, e os brutais Morlocks, que vivem na escuridão das profundezas do subterrâneo. A tecnologia produziu uma raça de humanos pacíficos tão evoluída e próspera que não precisou mais lutar pela sobrevivência. Mas dependia totalmente da produção e do trabalho da raça operária em posição inferior hierarquicamente. A ideia de evolução é muito explorada e desenvolvida e para mim foi a questão primordial. Com certeza biólogos ou fãs da evolução vão adorar debater a respeito. Wells questiona o quanto a desigualdade social influencia o funcionamento da sociedade humana, ao ponto de no futuro, influenciar diretamente a evolução da raça humana para as duas citadas.
O Viajante tenta compreender como isso ocorreu e quais as consequências para o funcionamento da nova humanidade, mas sua máquina desaparece e ele precisa então se adaptar a este estranho mundo futurístico e recuperar o equipamento. Como a narrativa prova, já se sabe que o Viajante conseguiu, mas como? Que outros obstáculos encontrou e quais foram as soluções?
Wells definiu também um padrão posteriormente muito utilizado na ficção científica para criticar o desenvolvimentismo excessivo e o extremo de classes sociais e sua desigualdade.
Também contribuiu muito para reflexões e teorias utópicas e distópicas sobre o futuro da humanidade. O livro é claramente também sobre a exploração da natureza pela humanidade e sua relação com as expectativas da tecnologia. O autor aponta também para outros tópicos humanos, em diferentes escalas de importância para o desenvolvimento da trama, como por exemplo, o controle e necessidade dos instintos humanos, quando o Viajante civilizado e inteligente, cede a impulsos selvagens e reflete sobre isso, e os papéis de gênero na sociedade do século XIX.

"Não existe inteligência onde não existe mudança."


Particularmente este foi um ponto que me fez pensar muito. Na reunião de pensadores e filósofos não há nenhuma mulher e a única personagem feminina é infantil, fraca, ingênua e precisa da ajuda e proteção do protagonista. É reduzida, sob minha visão, a um animal de estimação. Os Eloi possuem claramente características femininas do século XIX, são graciosos, sem iniciantiva e pouco inteligentes, brincando com flores quase o dia todo, enquanto os Morlocks têm semelhanças masculinas, são fisicamente fortes e robustos, racionais, capazes de construir e operar máquinas e se interessam pela máquina do tempo, enquanto os Eloi pelo Viajante. Ambas as raças possuem machos e fêmeas, aponto no entanto as características sociais preconceituosas da época em que o livro foi publicado e o relacionamento entre os submissos Eloi e os dominantes Morlocks. Se alguma coisa pode ser modificada para uma atualização da história em um remake (filme ou série), certamente é em relação à falta de personagens femininas e sua representação precária.


A obra entretém, é divertida e provocativa e embora tenha sido publicada em 1895, por conter questões existenciais universais, continua válida e interessante. Durante a leitura, que é muito rápida e ágil, idealizei o futuro da humanidade e do planeta com sentimentos utópicos. Será possível mesmo existir um mundo humano autossustentável que atinja a perfeição, onde todos os indivíduos se respeitem igualmente, sejam felizes, evoluídos, sem doenças, perigos, desigualdades, etc? O que é bom para uma pessoa é bom para todas? Também imaginei o futuro com pessimismo e desesperança, onde a humanidade se autodestrói ou definha por incapacidades e erros variados. Onde destruímos nosso ecossistema. Por um momento, me senti desolada, em plena solidão e pensando sobre a importância (ou não) da humanidade.
Escrito em um momento de rápido crescimento econômico e industrialização na Inglaterra é uma forte crítica social. Certamente é um livro inesquecível e atemporal, que abre várias discussões e que deveria ser leitura obrigatória a todos. Wells imaginou o futuro para trazer reflexão sobre o presente.
Cinco estrelas e favoritado no Skoob.


A Máquina do Tempo na The British Library:


Adaptações:
A primeira adaptação visual do livro foi uma transmissão de teleplay ao vivo em 1949 pela BBC com Russell Napier e Mary Donn. Em 1960 foi adaptado em um filme produzido e dirigido por George Pal com Rod Taylor, Alan Young e Yvette Mimieux no elenco. Ganhou um Oscar por efeitos especiais gerou  uma sequênciem 1993a. Em 1978 foi feito um filme para televisão com John Beck e Whit Bissell (que participou da versão de 1960). Mais um filme foi lançado em 2002, daquela vez para o cinema. Estrelado por Guy Pearce, Mark Addy e Sienna Guillory. Com direção do bisneto de Wells, Simon Wells, e Gore Verbinski.

O autor
Nasceu em 21 de setembro de 1866, em Bromley, Kent, e morreu em Londres, em 1946. Filho de um pequeno comerciante, teve de trabalhar desde cedo para ganhar a vida. Em 1883, conquistou um posto de aluno e professor-assistente na Midhurst Grammar School e, em seguida, obteve uma bolsa para estudar com o cientista e humanista Thomas Huxley. Chegou a dar aulas de biologia antes de se tornar jornalista e escritor profissional. Wells escreveu mais de uma centena de livros, entre romances, ensaios e textos educacionais. Nos últimos anos do século XIX, publicou obras que se tornariam pioneiras da ficção científica: A Máquina do Tempo, A Ilha do Doutor Moureau, O Homem Invisível e A Guerra dos Mundos. No início do século XX tornou-se um defensor do socialismo e do progresso científico, além de um incentivador da igualdade de direito entre homens em mulheres.
Site

As obras de Wells estão em domínio público e você pode fazer o download dos arquivos .PDFs em inglês gratuitamente e de forma legalizada. Clique aqui para ir ao site do Portal Domínio Público.

Dicas de leitura para quem gostou de A Máquina do Tempo de H. G. Wells (clique no título para saber mais):



As Melhores Histórias de Viagens no Tempo (Arthur C. Clarke, Ray Bradbury, Richard Matheson, Poul Anerson, Connie Willis, Robert Silverberg, Larry Niven, Theodore Sturgeon, Henry Kuttner, Jack Finney, L. Sprague de Camp, R. A. Lafferty, Joe Haldeman, Jack Dann, John Kessel e Charles Sheffield, Editora Jangada)O Fim da Eternidade (Isaac Asimov, Aleph)2001: uma Odisseia no Espaço (Arthur C. Clarke, Aleph)Linha do Tempo (Michael Crichton, Rocco)trilogia Chronos (Rysa Walker, DarkSide Books)O Livro do Juízo Final (Connie Willis, Suma)A Mulher do Viajante no Tempo (Audrey Niffenegger, Objetiva)série Infinity Ring (James Dashner, Carrie Ryan, Lisa McMann, Matt de la Peña, Matthew J. Kirby e Jennifer A. Nielsen, Editora Seguinte)Doctor Who: 12 Doutores, 12 Histórias (Holly Black, Neil Gaiman, Derek Landy, Charlie Higson, Alex Scarrow, Malorie Blackman, Richelle Mead, Patrick Ness, Philip Reeve, Marcus Sedgwick, Michael Scott e Edin Colfer, Fantástica Rocco).

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