publicidade

A Cor Púrpura, de Alice Walker e José Olympio (Grupo Editorial Record)

A Cor Púrpura (The Color Purple)
Alice Walker - José Olympio Editora / Grupo Editorial Record
Tradução: Betúlia Machado, Maria José Silveira e Peg Bodelson
336 páginas - 2016 (10ª edição) - R$49,90
Comprar: Amazon | Livraria Cultura | Livraria da Folha | Livraria da Travessa | Livraria Saraiva

Sinopse:
"Ambientando no sul dos Estados Unidos no intervalo entre guerras, A Cor Púrpura conta a história de Celie, jovem negra, nascida na pobreza e em uma cidade segregada. Estuprada pelo pai, ela é obrigada a se separar de seus dois filhos e de sua irmã, para se casar com um homem violento.
O constante pesadelo vivido pela protagonista é ligeiramente transformado pela chegada de Shug Avery e, aos poucos, Celie descobre um inesperado impulso em si mesma, libertando-se das amarras de sofrimentos que estão mais presentes em histórias reais do que gostaríamos de admitir."

Resenha:

Originalmente publicado em 1982, A Cor Púrpura (The Color Purple), obra-prima de Alice Walker, ganhou o Pulitzer e o American Book Award. Relançado em 2016, pela Editora José Olympio (do Grupo Editorial Record) em uma nova edição revisada, com novo e formato. A décima edição do livro no Brasil recebeu nova imagem de capa, páginas são levemente amareladas (papel off-white), fonte tradicional e diagramação simples, orelhas e revisão cuidadosa. Pela linguagem particular creio que o romance tenha sido complexo para os editores; as equipes de tradução, revisão e diagramação realizaram um trabalho primoroso.
Considerado um dos melhores títulos da literatura contemporânea para alguns críticos, enquanto que para outros especialistas sua importância é maior: um dos melhores de toda a história da literatura. Particularmente, uma das mais marcantes obras que já li. É poderosa, inquietante, reflexiva e genuína. Tão franca, crua e verdadeira e com personagens tão sinceras e estruturadas que a história se torna viva e crível ao ponto de me fazer pensar por diversos momentos se não seria verídica. E é, de certa forma, visto que mostra a dureza da vida de mulheres negras americanas no início do século XX. Com dramaticidade e exploração extraordinária de personagens marcantes, Alice Walker nos apresenta uma ideia do sofrimento e malefícios causados pelo machismo, ignorância e racismo. Não parece ficção e esse é o ponto mais chocante da leitura, imaginar como situações semelhantes às que as personagens sofrem ou presenciam eram corriqueiras e continuam a ocorrer em nossa sociedade em pleno século XXI.
A Cor Púrpura foi inspiração para Steven Spielberg compor uma obra cinematográfica homônima em 1985, com Whoopi Goldberg, Margaret Avery, Oprah Winfrey e Danny Glover no elenco. Foi indicado a onze Ocars em 1986, mas não ganhou nenhum. Goldberg ganhou por Melhor Atriz os prêmios Golden Globe Awards 1986 e National Board of Review 1986; esta premiação também escolheu A Cor Púrpura como Melhor Filme.
Em 2016, A Cor Púrpura ganhou adaptação na Broadway com Cynthia Erivo, Jennifer Hudson, Danielle Brooks e Isaiah Johnson.


Celie é a protagonista, uma mulher negra, ignorante e pobre no sul dos Estados Unidos do começo do século XX. A trama começa logo antes da Primeira Guerra Mundial e se passa, a maior parte, antes do início da Segunda. Ou seja, aproximadamente quatro décadas transcorrem e as personagens envelhecem.
Além de pobre, Celie é quase analfabeta, o que reflete em sua fala e discurso. O livro é narrado em primeira pessoa e em quase sua totalidade pela própria Celie, que escreve cartas para Deus, primeiramente, contendo verdadeiros desabafos de seu coração e consciência. Sem censura e muita autorreflexão e sinceridade, ela se expõe e, juntamente de seus pensamentos e sentimentos, mostra a situação da sociedade sulista norte-americana. Sua narrativa contém erros propositais e várias peculiaridades, o que pode ser estranho ao início da leitura, mas a fluidez e o envolvimento emocional se torna tão forte que logo estava familiarizada com o jeito humilde e verdadeiro, mas secreta e particularmente sábio de Celie observar o mundo e a si mesma.
Na metade do livro outra narradora entra em cena. Nettie, irmã mais jovem desaparecida de Celie que escreve cartas à irmã, mostrando a disparidade cultural e intelectual que cresceu entre elas. No entanto, o amor, respeito, preocupação e admiração de Nettie por Celie sempre se fazem presentes. Nettie é a responsável por incríveis mudanças em Celie (assim como Shug Avery e Sofia), além de mostrar outro cenário, outras situações, sem fugir dos temas principais da obra: o preconceito racial e sexual.
Celie passa então a escrever para Nettie e uma das angústias do livro é a dúvida se haverá reencontro entre elas. Ou se ao menos ambas saberão que a outra recebe as cartas.


Celie sofre torturas e abusos físicos e psicológicos de homens em sua vida. Primeiro, o pai; depois o marido. Nestes relacionamentos, Celie sofre com o patriarcalismo, tratada como objeto que pertence ao pai e, posteriormente, marido. Sem saber onde estão seus filhos e sua irmã Nettie, Celie vive como escrava do marido, cuidando dos filhos dele, da casa dele e até mesmo, da roça dele, enquanto ele apenas faz o que quer. Eles não têm nomes para Celie, pois ela os cita como "o Pai" e "o Sinhô".
Sua vida muda com a chegada de uma mulher que deveria ser sua principal inimiga: a ex-amante e verdadeiro amor de seu marido, a independente Shug Avery; cantora de estrada, vista pela sociedade como "vagabunda", justamente por agir livremente das amarras masculinas. Curiosidade é a primeira interação entre Celie e Shug, até nascer a amizade e o amor. Uma das relações mais complexas e bonitas que já encontrei em um livro.
Celie começa a pensar e refletir sobre o funcionamento do mundo, especialmente sobre as relações entre brancos e negros e homens e mulheres. A sociedade é ferozmente guiada por regras baseadas no machismo, no racismo e no patriarcalismo. As diferenças sociais são graves e as desigualdades de gêneros e etnias sobressaem-se. A Cor Púrpura expõe a segregação racial nos Estados Unidos sem receio, passando-se em uma época em que os negros não compartilhavam nada com os brancos, nem mesmo lugares públicos. Até meados dos anos 1950, até as igrejas faziam essa separação.
As personagens masculinas negras sofrem com racismo e segregação, como Albert, Harpo, Henry, Adam, Samuel e muitos outros homens da trama. Mas eles "descontam" em suas mulheres e o livro mostra como essa tradição machista é passada de pai para filho! No entanto, o foco é em uma minoria ainda mais marginalizada: A mulher negra. E pobre. Elas vivem muito menos que os homens (como a mãe de Celie e a primeira esposa do "Sinhô") ou sofrem nas mãos deles se não lutam contra eles, sejam negros ou brancos.
Através de vários exemplos, destaco, além das irmãs Celie e Nettie e da inesquecível Shug, Sofia, quase tão importante quanto as anteriormente citadas. Ela é forte e resistente, sem jamais se submeter às vontades do marido, por já ter sofrido nas mãos do pai. Literalmente ela luta para ser respeitada e tenta vencer diariamente a submissão.


Outras mulheres marcam a trama, mesmo secundárias, como Tampinha, que começa pequena e cresce em atitude e vontade própria, observando as mulheres ao redor. A Cor Púrpura mostra a importância do empoderamento feminino; como é importante a união entre as mulheres para enfrentarem os obstáculos juntas. Separadas, são fracas, porém unidas, se fortalecem e esta é a grande questão.
Corrine, Olivia e Tashi estão na África, junto ao povo Olinka, que enfrenta a chegada dos europeus às suas terras. É outro ponto importantíssimo da autora para mostrar a dominação cultural violenta de uma etnia sobre a outra e, dentro do contexto, ainda ressalta a dupla dor das mulheres negras. Uma crítica sobre como a África foi colonizada, repartida, desrespeitada, explorada.
Como missionárias, Corrine e Olivia, de duas gerações distintas, não se sentem norte-americanas, porém também não conseguem pertencer à África, que deveria ser seu local de origem. Não conseguem ser aceitas pelos africanos, entretanto, nunca se sentiram em casa na Europa ou América do Norte. Nesse ponto há a disparidade de gêneros em outra sociedade, onde as meninas / mulheres passam por mutilações genitais e faciais.
A Cor Púrpura desnuda como todas as mulheres sofrem com o machismo, sejam brancas, negras, mestiças, ricas ou pobres. Porém o abismo entre brancas e ricas e negras e pobres é alarmante. No entanto, todas sofrem e, embora o foco seja as mulheres negras, a autora não deixa esse aspecto de lado, usando a esposa do prefeito e sua filha como exemplos. Uma coadjuvante surge para representar a mudança radical pelas quais as mulheres têm lutado: Doris Baines, escritora branca e rica que apresenta um neto negro. Ela é responsável por um dos melhores pontos filosóficos da obra.



Conforme mais resistentes à dominação masculina e mais poderosas as mulheres se tornam, mais causam conflitos nos pensamentos dos homens ao redor, muitas vezes sendo taxadas como "homens"! Doris, Sofia ou Shug passam por situações assim explícitas por serem lutadoras assumidas. Elas se fazem ser respeitadas e os homens as veem como "homens". Outro item que recomendo a todos perceberem durante a leitura.
É uma obra poderosa, uma das melhores que já li e, certamente, inesquecível. O início das mudanças na protagonista Celie é o ponto mais incrível do livro. Uma das atitudes mais fortes é quando ela decide parar de pensar em Deus como "homem branco" sem diminuir sua fé. Ela continua crente, mas deixa de rezar para o "homem branco" que não a representa, na verdade, essa figura a desvaloriza. É um momento de crescimento da personagem. Quando ela passa a assinar as cartas é notável que ela está mais segura e confiante, esse detalhe é incrível. O simples fato dela passar a assinar orgulhosamente as cartas! Outras ações também contribuem para sua evolução, como a descoberta de sua sexualidade (de que ela não é um objeto de satisfação do homem), a fixação pelas calças (porque mulheres só deveriam usar vestidos e homens calças, conforme a sociedade em que Celie vive) e o cuidado que passa a ter com sua aparência, abandonando os rótulos que o patriarcalismo colocou nela (negra, feia, estranha, magricela).
A autoestima de Celie nasce e cresce e a protagonista se torna uma pessoa completa. Mesmo sob tropeços e obstáculos ela não desiste de buscar pela felicidade e por um sentido em sua vida, que não deve ser apenas de sofrimento. Ela deixar de ver como vítima e incapaz e passa a se valorizar, embora seja muito difícil.
Uma lição para todas as pessoas, leitura obrigatória para todas e todos que certamente trará comoção e muita, muita reflexão. Por mais histórias como A Cor Púrpura!

O filme de 1985:



O musical de 2016:



A autora:
Alice Walker é internacionalmente conhecida por sua participação em movimentos pelos direitos civis, principalmente das causas negra e feminina. Além de romancista premiada, é também autora de contos, ensaios, poemas e vários livros infantis. Sua obra está traduzida para mais de vinte línguas. Nascida no estado da Geórgia, Alice Walker mora na Califórnia, Estados Unidos.
Site | Facebook | Site do musical A Cor Púrpura

Um comentário

  1. Esse livro é maravilhoso! Li outra edição. Essa capa nova ficou lindíssima!
    Acredito que é um daqueles livros que mais pessoas deveriam ler.
    Beijo
    Blog do Ben Oliveira

    ResponderExcluir

Os comentários são moderados, portanto, aguarde aprovação.
Comentários considerados spams, agressivos ou preconceituosos não serão publicados, assim como os que contenham pirataria.
Caso tenha um blog, retribuirei seu comentário assim que possível.

Pesquise no blog

Parcerias