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[Resenha] Nada a Perder, de Jeff Lemire e Nemo (Grupo Autêntica)

Nada a Perder (Roughneck)
Jeff Lemire - Nemo / Grupo Autêntica
Tradução: Jim Anotsu
272 páginas - R$ 64,90 (impresso) e R$ 29,90 (ebook) - trecho
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Sinopse:
"Derek Ouelette costumava ser alguém. Promessa do hóquei, ele agora nada mais é do que a sombra do ídolo que um dia poderia ter sido. Um bêbado, sacana, violento, leva uma vida esquecida por todos em uma vila esquecida por todos. Um dia, no entanto, algo invade sua história e o coloca diante de uma escolha impossível. Uma escolha que só pode ser feita por um homem que não tem nada a perder."

Resenha:
O quadrinista canadense Jeff Lemire trabalha para importantes editoras estadunidenses como Marvel Comics, DC Comics e Dark Horse, em títulos como O Velho Logan, Extraordinários X-Men, Gavião Arqueiro, Cavaleiro da Lua, Liga da Justiça, Constantine, Vampiro Americano (publicados no Brasil pela Panini Comics) e Black Hammer (Intrínseca, 2018). Este tem tratamento de livraria, assim como O Soldador Subaquático (Mino, 2016) e Condado de Essex (Mino, 2017). Ele já foi indicado como Melhor Escritor ao prêmio Eisner, o Oscar das HQs. Sua novidade no Brasil é a graphic novel Roughneck, publicada em maio de 2018 pela Editora Nemo, do Grupo Autêntica, e ganhou o título Nada a Perder. Agradeço a Nemo pela cortesia, pois foi um prazer ler esta graphic novel em volume único e de produção canadense, pois sempre li muitas HQs, mas geralmente seriadas, de super-heróis e de produção dos Estados Unidos.
O exemplar da Nemo é lindo possui páginas brancas e orelhas e mede 17 x 24 cm. O físico custa R$ 64,90 e o digital, R$ 29,90. A tradução é de Jim Anotsu e a edição tem ótimo trabalho de revisão e diagramação.
A Macleans Magazine deu a Lemire o título de "o Stephen King dos quadrinhos". Uma das citações mais famosas de King, considerado o mestre do terror na literatura contemporânea, é "Monstros são reais e fantasmas são reais também. Vivem dentro de nós e, às vezes, vencem." pode resumir a base de Nada a Perder, onde o protagonista Derek Ouelette desconta em todos ao redor através de brigas corporais sanguinárias e discussões violentas, enquanto a verdadeira batalha é contra si mesmo, devido a um passado traumático e uma vida frustrada. Será mesmo que ele não tem nada a perder?


Derek é meio indígena, meio caucasiano e vive na minúscula cidade canadense Pimitamon, mas chegou a integrar um importante time do hóquei profissional do país. Ele era uma promessa, mas sua carreira se desmoronou e agora Derek permanece bêbado quase o tempo todo, do bar ao emprego, brigando em qualquer lugar e com qualquer pessoa. Sua irmã mais jovem, Beth, ressurge na cidade e a partir de então, ambos precisam confrontar passado e presente.
Lemire desenvolve a trama lentamente, enquanto na verdade a está envolvendo em camadas, até mostrar a complexidade. Apresenta o protagonista, aparentemente um vilão, que em seguida se mostra um anti-herói, para finalmente ser uma pessoa altruísta. Derek é uma personagem multifacetada e sua violência é mais complicada do que aparenta.
A irmã coestrela e assim que surgiu, pensei se tratar de um clichê feminino, a mulher que é tão importante para o homem que o guia ou motiva e costuma ser o ponto de partida ou justificativa para as ações dele. Ou seja, uma personagem suporte. Ela até pode ser, mas Lemire se preocupou em não tratá-la assim, pois Beth possui seu próprio arco, sem ligação com Derek. A HQ passa nos testes de Bechdel (duas mulheres conversam sobre algo que não seja um homem), Alaya Dawn Johnson (personagens não brancos, aqui são indígenas) e Mako Mori (personagem feminina com arco independente).


São poucas personagens, quantidade ideal para não sobrecarregar a história. Esta é sobre pessoas comuns, sem poderes ou dons. É um exemplo de que qualidade não é sinônimo das histórias em quadrinhos com seres superpoderosos, onde muitas vezes o sucesso depende da combinação megassagas e elenco lotado, não necessariamente de bom enredo. Em Nada a Perder não há acontecimentos bizarros, mas possui uma surpresa nesse sentido, todavia, vai depender da interpretação particular sobre o simbolismo do cachorro sem raça definida que aparece algumas vezes e o desfecho de modo geral, que é muito poderoso e excelente. A sutileza da ambiguidade destes detalhes enriquecedores é incrível, tornando esta uma obra-prima.
Para ler sobre o simbolismo do cachorro e do desfecho (contém spoilers), clique no botão abaixo; ou continue com a resenha (sem spoilers).





Embora não possua texto descritivo ou personagem relatando seus pensamentos, a narrativa é forte e admirável e feita através dos diálogos e ilustrações. A trama já faz o álbum valer a pena, mas a arte merece notoriedade, pois é essencial para o funcionamento da linguagem e desenvolvimento do enredo. Em muitos momentos não há nenhuma fala ou conversa, apenas o silêncio total, mas o desenho está lá, esperando para ser "lido", observado e interpretado, engrandecendo a experiência e tornando-a mais individual. São vários detalhes valiosos como o barulho que Derek e Beth produzem ao andar; os "crunch" que seus sapatos emitem na neve representam muito mais que um caminhar ruidoso; é o peso do acúmulo emocional que eles carregam.
Lemire utilizou duas paletas de cores para sua aquarela sobre o traço, que é fino e irregular, ora detalhado, ora minimalista. O presente possui, além do preto e branco, tons de azul quase acinzentado. O efeito é melancólico, desesperançado, desbotado. A cor não foi escolhida por acaso, pois azul em inglês, blue, é uma palavra utilizada em várias expressões, mas o principal significado está associado à tristeza e ao desânimo. Derek está em depressão e frustrado, sem perspectiva de vida. Imerso em álcool, ele apenas vive um dia após o outro. A particularidade dessa paleta é o vermelho vivo que surge ocasionalmente e parece saltar das páginas, muitas vezes como uma explosão visual na narrativa. Representa a violência e a raiva, quase sempre mostrada em machas e respingos. A observação sobre a gama de cores do presente é que Derek, embora deprimido profundamente, ele irrompe muitas e muitas vezes em crises de ira e agressividade, porque nem toda pessoa deprimida permanece letárgica; em vários casos ela estoura em violência.
O passado é colorido e mais vivo, visto que Derek ainda não havia se afundado em depressão. Apesar de vivenciar situações traumáticas na família, ele dispunha de esperança de uma vida pela frente e sonhos a alcançar. Os flashbacks são vívidos e em sintonia com a intensidade das memórias.



O cenário, o severo frio canadense que faz da localidade quase inóspita, também é importante para a composição visual e sentimental da história. A neve é quase uma personagem e a HQ possui incontáveis paisagens campestres penetrantes. Em alguns momentos é deslumbrante, em outros, lancinante. Quase sempre é desolador, solitário e triste, um reflexo da trama em si.
A leitura é triste, reflexiva e inesquecível. Um suspense ininterrupto e discreto paira por todo o enredo, assim como um misto de quase pânico e apreensão apavorante. Há uma sensação de que algo terrível é iminente.
Uma graphic novel impactante voltada ao público adulto produzida por um dos melhores quadrinistas da atualidade. Explora com maestria e talento temas tristes e delicados como depressão, dependência química, infância traumática e violência doméstica. É um amálgama de drama, violência e muito suspense e terror psicológico.
Confira uma amostra de Nada a Perder aqui.



O autor:
Best-seller do New York Times, Jeff Lemire é o premiado quadrinista das elogiadas graphic novels Condado de Essex, Secret Path, O Soldador Subaquático e muitas outras. É roteirista de Extraordinary X-Men e Old Man Logan para a Marvel, Black Hammer para a Dark Horse e diversas outras publicações. Vive com sua família em Toronto, Canadá.
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A Editora Mino prometeu para 2018 a série Gideon Falls, parceria de Lemire com Andrea Sorrentido, que sai nos Estados Unidos pela Image Comics. Ele revelou que vem ao Brasil em dezembro ao ser questionado via Twitter por leitores (será na Comic Con Experience 2018 em São Paulo?).


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