publicidade

Formação de leitores a domicílio

Leandro e Roberta (camisas azuis) com alguns leitores da comunidade
Jardim das Graças. Foto de Michel Filho.
De São Bernardo do Campo, SP

"Não saber ler é como ser cego. Precisamos ser guiados”, diz Maria Alves ao descobrir um mundo novo após ser alfabetizada aos 73 anos. Sua metáfora da cegueira foi confidenciada a Célia Moura Rantzi, uma cabeleireira de 27 anos cuja vida também foi transformada pela leitura e por histórias como a de Maria.
Há quatro meses, Célia trabalha como um dos Agentes de Leitura, programa de formação de leitores do Ministério da Cultura em parceria com governos estaduais e municipais. São Bernardo do Campo, a cidade onde vive, na Grande São Paulo, foi a primeira a colocar o projeto em prática, em maio. São 185 agentes treinados há um ano para atuar como estimuladores de leitura — e divulgadores de livros — em bairros carentes da cidade. Nos próximos meses, o programa começa em mais 14 estados, incluindo o Rio de Janeiro (as inscrições estão abertas para a seleção de agentes) e a expectativa do MinC é ter 15 mil agentes de leitura trabalhando em todo o Brasil até 2014.

O programa segue um modelo implementado em menor escala em 2005 pelo governo do Ceará, seguindo uma ideia do educador Fabiano dos Santos Piuba.
— Martelava na minha cabeça a ideia do agente. Pensava nos da saúde, que vão de casa em casa praticando medicina preventiva. Daí veio a ideia dos agentes de leitura, cujo objetivo principal é formar leitores — afirma Piuba, hoje diretor do Livro, Leitura e Literatura no Ministério da Cultura.

Acervo composto por livros clássicos e de autores da região
O resultado foi tão positivo que o MinC o convidou para aperfeiçoar o programa e torná-lo nacional. O modelo atual, desenvolvido em parceria com a Cátedra Unesco de Leitura da PUC-Rio, selecionou e está formando 3.142 agentes em 15 estados brasileiros.
Podem ser agentes de leitura os jovens que tenham ensino médio completo e idade entre 18 e 29 anos. Eles são selecionados por meio de concurso público, com prova escrita, oral e entrevista. Têm preferência jovens cujas famílias recebam o Bolsa Família. Depois de aprovados, o grupo passa por um processo de formação antes de ir a campo. Recebem uma bolsa de R$ 350 ao mês. Usam um boné e uma camiseta para serem facilmente identificados e são guardiões de um acervo de até 100 livros, metade composto por clássicos da literatura brasileira e universal, metade de obras e autores da região onde atuam.
— O agente é uma biblioteca itinerante. O acervo é escolhido em parceria com o município ou estado. Clássicos como Machado de Assis, Carlos Drummond de Andrade ou Ruth Rocha dividem espaço nas mochilas com autores de cada região. O Rio Grande do Norte, por exemplo, escolheu muita literatura de cordel. Já no Rio de Janeiro, a literatura de temática urbana contemporânea tem destaque — explica Nilza Rezende, responsável pela coordenação do projeto na PUC-Rio.
Cada agente atende a no máximo 25 famílias que vivem perto de sua casa. São todas cadastradas no Bolsa Família e escolhidas em parceria entre as secretarias da Cultura e do Bem Estar Social. Além das visitas semanais às casas, onde realizam rodas de leitura, contam histórias e emprestam livros, os agentes também atuam em bibliotecas, escolas, centros culturais e comunitários, promovendo saraus literários ou contação de histórias.
— No Ceará, observamos que as crianças das famílias atendidas por agentes apresentaram melhora no rendimento escolar. Muitos adultos analfabetos buscaram cursos de alfabetização estimulados pelos agentes — conta Piuba, que negocia com o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) uma parceria para poder medir os resultados do projeto no Brasil.
Quem olha o trabalho dos agentes não deixa de se surpreender com a receptividade à iniciativa, a animada algazarra de crianças e adultos diante do contador de histórias. Afinal, não deixa de ser irônico a festa em torno de uma mídia tradicional num momento em que se discute o futuro do próprio livro num mundo cada vez mais digitalizado. Mas esta realidade ainda é um sonho distante nas comunidades carentes do país, onde o velho e bom livro — e o contador de histórias — são os protagonistas de um projeto que pode ser transformador.
Uma das principais pesquisadoras da formação de leitores no Brasil, Marisa Lajolo, da Unicamp, elogia o formato do Agentes de Leitura, mas diz que a existência do programa expõe as deficiências do sistema educacional brasileiro.
— Se tivéssemos bons professores não precisaríamos de agentes da leitura. O melhor exemplo disso é que todas as escolas bem avaliadas não precisam de gente de fora para promover a leitura. Ela mesma se encarrega disto — afirma.
Lembrando a instabilidade no repasse de verbas para outro programa de estímulo à leitura, o Proler, da Fundação Biblioteca Nacional (criado em 1992), ela diz ainda que um desafio da área é garantir a continuidade das ações.
— Para isto é preciso algo mais do que vontade política. Neste momento, há um capital grande interessado nisso: a indústria livreira, ameaçada pelo livro digital — constata.
Em São Bernardo do Campo, por exemplo, a previsão é de que o programa seja renovado por mais um ano e o número de agentes passe de 185 para 400 — mas a falta de bibliotecas em bairros carentes como Baeta Neves e Alvarenga levanta uma interrogação sobre como os leitores formados pelo programa poderão manter o hábito de ler.
Fabiano dos Santos Piuba, criador do programa e diretor do Livro, Leitura e Literatura no Ministério da Cultura, pretende acompanhar o desempenho das crianças atendidas por agentes em avaliações como a Prova Brasil. Também negocia uma parceria com o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) para produzir pesquisas sobre o projeto.
Medir os resultados é um desafio. Números positivos podem estimular governos estaduais e federais a investir, em parceria com o governo federal, no programa ou em iniciativas semelhantes. No momento, a maior parte da verba vem do Ministério da Cultura, via Fundo Nacional de Cultura. A contrapartida é de 1/3 por parte de estados e 20% pelos municípios.
Cada agente de leitura custa R$ 7 mil reais por ano, incluindo seleção, material e capacitação. Em um ano, o projeto em 15 estados com 3.142 agentes custará R$ 22,2 milhões.
Para o escritor Francisco Gregório Filho, um dos fundadores do Proler, hoje há por parte do governo e da sociedade civil uma preocupação maior em relação à leitura.
— Há uma determinação política para investir em formação de leitores. Daí a criação de novos programas, como o Agentes de Leitura, capaz de complementar outros como, por exemplo, o Proler, que teve seus percalços, mas voltou a se fortalecer — diz.

Créditos:
Enviado por Gilberto Scofield Jr. e Márcia Abos para O Globo Blogs - Prosa Online
Data: 20/08/2011
Fonte: O Globo Blogs

Um comentário

Os comentários são moderados, portanto, aguarde aprovação.
Comentários considerados spams, agressivos ou preconceituosos não serão publicados, assim como os que contenham pirataria.
Caso tenha um blog, retribuirei seu comentário assim que possível.

Pesquise no blog

Parcerias