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Resenha: A Fazenda dos Animais (edição especial), de George Orwell e Companhia das Letras

A Fazenda dos Animais - edição especial (Animal Farm: a Fairy Story)
George Orwell - Companhia das Letras
Tradução: Paulo Henriques Britto
248 páginas - R$ 89,90 (impresso) e R$ 39,90 (e-book)



Sinopse:
"Uma das obras mais emblemáticas do século XX ganha edição atualizada com nova tradução, projeto gráfico especial e ampla fortuna crítica.
A história é conhecida: cansados da exploração a que são submetidos pelos humanos, os animais da Fazenda do Solar se rebelam contra seu dono e tomam posse do lugar, com o objetivo de instituir um sistema cooperativo e igualitário. Mas não demora para que alguns bichos voltem a usufruir de privilégios, fazendo com que o velho regime de opressão regresse com ainda mais força.
Escrita em plena Segunda Guerra Mundial e publicada em 1945, A Fazenda dos Animais é uma alegoria satírica sobre os mecanismos do poder e tudo aquilo que leva à corrosão de grandes ideias e projetos de revolução. Pela primeira vez no Brasil, o clássico de George Orwell é publicado com seu título original. Com nova tradução, de Paulo Henriques Britto, e projeto gráfico especialíssimo ― com capa em tecido, corte impresso e obras da artista brasileira Vânia Mignone ―, este A Fazenda dos Animais conta também com uma série de ensaios que cobrem a recepção crítica do livro desde o seu lançamento até os dias de hoje. "

Resenha:

A Fazenda dos Animais (Animal Farm), anteriormente traduzido como A Revolução dos Bichos, finalmente é publicado no Brasil sob o título original, nova tradução mais fiel e fluida por Paulo Henriques Britto e edição à altura. A morte do autor 70 anos em 2020 e, portanto, suas obras se tornaram de domínio público. Por isso, são muitas edições diferentes à venda, porém nenhuma é tão completa como esta publicada em novembro de 2020 pela Companhia das Letras.
A edição ganhou conteúdo exclusivo e completo para quem quer compreender melhor a obra, contextualizada pelo próprio autor em um prefácio especialmente escrito para a edição ucraniana e também debatida e analisada por um time de respeito que compõe a fortuna crítica, tornando o número de páginas quase o dobro das demais edições disponíveis no mercado. Edmund Wilson, Northrop Frye, Raymond Williams, Daphne Patai, Morris Dickstein, Harold Bloom e Alex Woloch escreveram ensaios, resenhas e artigos interessantíssimos sobre o livro. A organização e posfácio é de Marcelo Pen, professor doutor em Teoria Literária e Literatura Comparada. Além disso, a Companhia das Letras selecionou várias capas da obra dede o ano do seu lançamento, 1945, até os dias atuais, publicadas mundo afora. Há ainda um ensaio visual riquíssimo por Vânia Mignone.
E para completar, o exemplar impresso possui capa dura com acabamento em tecido, pintura trilateral, além das queridas páginas em papel amareladinho. A equipe da editora merece muito ser parabenizada por todo o trabalho, tanto de conteúdo, revisão, organização, tradução, como de design e diagramação. O resultado é a edição mais completa já publicada no Brasil, perfeita para colecionadores e para quem deseja ser apresentado à obra da melhor forma possível.


A edição é inaugurada pelo prefácio do autor escrito para a edição ucraniana publicada em 1947 e feita exclusivamente para os ucranianos alojados nos campos de refugiados da Alemanha sob a administração britânica e americana no pós-Segunda Guerra Mundial.
Em seguida vem o texto extra mais importante: o do professor e crítico Marcelo Pen, intitulado O Animal se Torna Humano e o Humano, Animal (um Esclarecimento). Ele recapitula a trajetória da obra no Brasil, desde seu primeiro lançamento, em 1964, explicando o porquê da tradução do título ter sido modificada (Animal Farm foi adaptado para A Revolução dos Bichos, e não A Fazenda dos Animais. Tanto que todas as edições brasileiras seguintes permaneceram com o título adaptado, deixando muitas pessoas sem sequer imaginar que o livro deveria ser A Fazenda dos Animais) e comenta sobre as tentativas da ditatura brasileira de utilizar o romance como propaganda anticomunista durante a Guerra Fria.
A obra é uma crítica satírica sobre hierarquia social e suas desigualdades, privilégios de quem detém o poder, corrupção, exploração das classes trabalhistas e totalitarismo. Orwell critica o que o socialismo stalinista se transformou e se distanciou dos primórdios da Revolução Russa quando pregara a igualdade social, mas também observa como países ocidentais oficialmente democráticos, como a Inglaterra, mantêm um capitalismo predatório (que amplia cada vez mais as diferenças sociais) e não compreendem as diferenças da Rússia de 1917 da de 1947. Orwell também comenta a força e o poder de persuasão, controle e influência que as propagandas têm sobre as populações, distorcendo a realidade e levando mentiras a quem vive em outra sociedade ou até mesmo aos próprios cidadãos. Como, por exemplo, em 1939, muitos ingleses não compreendiam a verdadeira natureza do Nazismo alemão, assim como em 1947 não faziam ideia de que o Socialismo russo de 1947 estava imerso em totalitarismo e crueldade extrema e que se distanciara de sua essência bruscamente.


Portanto, Orwell decidiu escrever uma fábula simples para denunciar o mito soviético da época e escolheu os animais para exemplificar como o povo é a sustentação de uma nação, mas facilmente manipulado, e que se enxergasse sua força, derrubaria governos e elites em revoluções. O texto é metafórico e repleto de representações de estereótipos da época e de personalidades políticas, portanto é interessante saber o básico do Stalinismo, Marxismo e Revolução Russa, porém não é obrigatório, até porque, com o prefácio, fortuna crítica e posfácio, qualquer pessoa vai compreender a ideia geral da obra, Esta possui um texto fluido e simples, porém com muita crueza e sinceridade, podendo soar até mesmo um pouco violento em algumas passagens. A narrativa é em terceira pessoa e procura focar ao que os animais da fazenda em geral, como os cavalos, galinhas, vacas e patos, que representam o povo e a força bruta trabalhista, têm acesso, porém insinuando claramente o que há nos bastidores, ou seja, a que a elite faz, representada pelos porcos e, em seguida, por seus fieis guarda-costas e segundo lugar na hierarquia, os cachorros.


Um velho porco sábio, o Major, imagina o dia em que animais não serão mais explorados pelo homem e conta seu sonho aos demais animais da fazenda, abrindo o debate sobre liberdade e autonomia. Ele falece, mas o sonho não morre com ele e liderados por outros dois porcos, Napoleão e Bola de Neve, os animais se rebelaram contra o dono da fazenda, Jones, e seus funcionários. Os bichos vencem e criam os Sete Mandamentos, que deverão ser obedecidos e honrados por todos os animais. Sob o hino Bichos da Inglaterra, é iniciada uma nova era em que os animais vivem unidos, livres e em uma sociedade justa, igualitária, harmônica e democrática, onde todos são respeitados e trabalham equitativamente para manter todos igualmente alimentados e aconchegados na fazenda. O Animalismo se torna utopia pouco duradoura após os conflitos ideológicos entre Bola de Neve e Napoleão, quando tudo é derrubado perante a corrupção e recriação de privilégios humanos destinados somente aos líderes, ou seja, os porcos reinantes e seus escudeiros os cães.
Além de Bola de Neve e Napoleão, dentre as demais personagens se destacam o cavalo Guerreiro, forte, trabalhador, fiel e esperançoso, a égua Tulipa, a figura maternal mediadora, o porco Guincho, o marqueteiro do governo convincente e manipulador, e a égua Chica, fútil e mimada.


Os Sete Mandamentos:
  1. Tudo o que anda com duas pernas é inimigo.
  2. Tudo o que anda com quatro patas ou tem asas é amigo.
  3. Nenhum animal usará roupas.
  4. Nenhum animal dormirá em camas.
  5. Nenhum animal beberá álcool.
  6. Nenhum animal matará outro animal.
  7. Todos os animais são iguais.

Todos os animais são manipulados pelo novo governo e têm suas potencialidades e individualidades destruídas pouco a pouco. Os Sete Mandamentos são distorcidos, os animais são manipulados e se tornam tão explorados quanto foram sob o domínio dos seres humanos. A realidade é frequentemente distorcida e os dominadores se tornam cada vez mais privilegiados, enquanto os dominados trabalham cada vez mais e recebem em troca apenas o essencial para se manterem vivos como força de trabalho.
A obra possui um problema: o machismo. Fiquei incomodada como as poucas personagens femininas não têm nenhuma característica que não seja ligada à feminilidade ou reprodução. Compreendo que os bichos são estereótipos humanos, mas a construção das personagens femininas é pobre. No artigo presente na fortuna crítica do livro, Literatura Política e Fantasia Patriarcal, escrito por Daphne Patai, o meu incômodo foi confirmado e, dentre algumas questões, explicado. Orwell apaga as mulheres na trama com a representação feminina fraca. Tulipa é a maternidade instintiva, enquanto Chica é a futilidade feminina. As porcas, vacas e galinhas servem apenas na procriação (ou seus derivados como ovos e leite). Como se as mulheres fossem reduzidas a estes papéis e como se características femininas fossem sempre negativas, frágeis ou sem valor.


Concordando ou não com todas as ideias de Orwell, esta é uma das melhores fábulas para adultos e um dos clássicos mais importantes da literatura mundial do século XX. Também é uma obra excelente se absorvida apenas como ficção especulativa, fantasia, mas, embora seja por si só uma boa história, acredito que seu papel seja realmente criticar ditaduras e governos totalitários. Orwell não era contra o Socialismo, ele mesmo se autodeclarou socialista, mas denunciava o que o Socialismo soviético se tornou na época em que decidiu escrever este pequeno romance. Por isso esta edição especial da Companhia das Letras de A Fazenda dos Animais é uma perfeição para levantar os debates, reflexões e questionamentos próprios que a obra aponta. Mesmo mais de seis décadas após sua publicação, mesmo nós estando distantes do mundo pós-Segunda Guerra ou Guerra Fria, A Fazenda dos Animais ou A Revolução dos Bichos se mantém importante, questionadora e crítica. É indiscutível que o abuso de governos pouco democráticos, fascistas ou totalitários, assim como os agravamentos da desigualdade social e da consolidação e manutenção do privilégio para poucos, sejam uma das mazelas da humanidade e devam ser denunciados, evitados e combatidos.



Além desta edição especial em capa dura e conteúdo extra, a Companhia das Letras mantém a edição clássica pertencente à coleção de George Orwell (A Revolução dos Bichos), e ainda, a edição econômica pela Penguin, (mas em texto também integral - A Fazenda dos Animais: um Conto de Fadas), e a versão exclusiva em história em quadrinhos adaptada e ilustrada por Odyr, pela Quadrinhos na Cia..
Este exemplar é uma cortesia da Companhia das Letras enviado ao blog para resenha.



O autor:
George Orwell nasceu em Motihari, norte da Índia, em 1903. Filho de funcionário da administração britânica do comércio de ópio, estudou em colégios tradicionais na Inglaterra. Na década de 1920, foi agente da polícia colonial na Birmânia. Nas décadas seguintes, publicou romances, ensaios e textos jornalísticos. É considerado um dos autores mais importantes do século XX. Morreu em Londres, em 1950.


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