Foto: Veja online |
Associação Gaúcha dos Escritores (Ages) também se pronunciou a respeito da polêmica.
Veja a íntegra da carta do Fabrício Carpinejar:
Fonte: Zero Hora - 22/04/2012"Querida Coordenação da Feira:
Foto: Gazeta do Povo
estou cancelando minha participação na 27ª Feira do Livro de Bento Gonçalves. Lamento fazer isso por todo amor que guardo pelos leitores da cidade.
É meu protesto pelo cachê absolutamente excessivo de R$ 170 mil destinado a Gabriel O Pensador. O artista (que eu admiro) não tem culpa de pedir o valor, porém a Prefeitura tem inteira responsabilidade de acatá-lo e não informá-lo da real capacidade cultural do município. O anúncio de pagamento ao músico é uma afronta às vésperas de pleito eleitoral.
Literatura não deve ser feita para atrair público, e sim para formar público.
Feira do Livro não é uma Oktoberfest, uma Fenavinho, uma plataforma popular de shows musicais e apresentações midiáticas. Feira é intensificar leituras em escolas e universidades ao longo do ano para propiciar debates e mesa-redondas com escritores durante uma semana.
Uma receita simples e imbatível: ler e comentar, ler e discutir, ler e produzir idéias coletivamente e transformar o pensamento.
O escândalo ? trazer grandes nomes com dinheiro público a preços estratosféricos ? é sempre a forma mais rápida de projeção nacional. A literatura é o modo mais lento, entretanto, com efeitos definitivos e perenes.
Quantas bibliotecas poderiam ser construídas com esse cachê? Quantas feiras poderiam ser realizadas com esse cachê?
Pense, querida coordenação, que o cachê é o equivalente a uma primeira parcela para fazer a Escola Municipal Infantil Paulo Freire, que acaba de ser inaugurada no Loteamento Panorâmico, no bairro São Roque, em Bento Gonçalves, para atender 240 crianças em turno integral.
Nas conversas telefônicas com a produção da Feira, aceitamos um valor padrão de R$ 1.000,00 (um mil reais), devido à alegação de que não haveria exceção, de que se tratava de uma regra extensiva aos demais participantes. A organização lamentou que não teria condições de exceder determinada quantia por limitação de orçamento. Vejo, infelizmente, que a Feira estava economizando com os autores gaúchos para pagar uma atração nacional.
Cuidado, a ilusão custa mais caro do que o sonho.
Grato,
abraço,
Fabrício Carpinejaro"
Edição posterior - com fonte no G1 de 23/04/2012:
A Associação Gaúcha dos Escritores (Ages) também divulgou nota sobre a polêmica. O documento questiona a escolha de “patronos midiáticos” para as feiras do livro do interior do estado. “Não estranha que Gabriel cobre R$ 170 mil para ser homenageado. Cada um cobra o que quer pelo seu trabalho. O problema maior é quem paga uma exorbitância, a fim de que seu município possa ficar sob os holofotes. Quem dera as feiras se preocupassem em formar leitores, quem dera verbas públicas remunerassem escritores, mas também abastecessem as bibliotecas municipais, escolares e familiares com livros”, diz trecho do texto.
Segundo a prefeitura de Bento Gonçalves, o valor destinado a Gabriel O Pensador é parte de um pacote que inclui a participação do músico em palestras e também em um show gratuito ao ar livre, além da distribuição de 2 mil livros a crianças de escolas municipais. O prefeito da cidade, Roberto Lunelli (PT), argumenta que a presença do rapper daria visibilidade nacional ao evento e serviria de estímulo à leitura entre os jovens. “A vinda dele não desmerece ninguém, mas fortifica nossa feira do livro”, justifica o prefeito.
A reportagem do G1 entrou em contato com Gabriel O Pensador, mas não obteve retorno. O prefeito Roberto Lunelli diz que o rapper estaria incomodado com a repercussão em torno do seu cachê. Uma reunião nesta terça-feira (24) pode cancelar a participação do músico no evento e definir a escolha de outro patrono. “Teremos uma conversa com ele (Gabriel) por telefone. A partir desta polêmica toda, vamos analisar a situação com mais calma. Amanhã vamos tomar uma decisão final. Nosso objetivo é esclarecer tudo a população”, afirma Lunelli.
Leia a íntegra da nota da Ages:
"Como se faz uma feira de livros
Gabriel O Pensador receberá, alardeia a mídia, 170 mil reais para ser patrono de uma feira de livro municipal. E aquilo que poderia ser visto como a valorização de um escritor apenas aponta para algo que já vem ocorrendo há muito tempo nas feiras de livro que povoam nosso estado: patronos midiáticos concedem maior possibilidade de que os meios de comunicação voltem seus holofotes para tais eventos. Alguns convidados ganham muitos, outros quase nada. Os motivos para tal diferenciação são os mais variados possíveis. Gabriel é, portanto, apenas mais um. Mas não o único a lucrar por ter sua figura mais explorada que aqueles que “apenas” escrevem. Gabriel canta, dança, produz shows, escreve livros. A maioria dos escritores, todavia, apenas escrevem. E, por só fazerem isso, não conquistam espaço nos programas de auditório da vida, e por só fazerem isso, não recebem cachês milionários. Ao contrário. Não estranha que Gabriel cobre 170 mil para ser homenageado. Cada um cobra o que quer pelo seu trabalho. O problema maior é quem paga uma exorbitância, a fim de que seu município possa ficar sob os holofotes. Quem dera as feiras se preocupassem em formar leitores, quem dera verbas públicas remunerassem escritores, mas também abastecessem as bibliotecas municipais, escolares e familiares com livros. Só assim estaríamos formando uma geração mais leitora. Todavia, criar cidadãos-leitores não fará com que todos vibrem, cantem e dancem. A literatura não é tão bombástica; é mais silenciosa, menos espetacular.
Há uma tremenda inversão de valores. A prática contradiz os objetivos. Escritores existem aos montes. Muitos deles com capacidade para atrair a atenção dos frequentadores de uma feira de livro, fazendo-os, através de depoimentos de vida e de leitura, potencializar desejos de mais e mais livros. É isso que deveria se pretender quando se resolve realizar uma feira literária: não apenas vender livros ou oportunizar shows de grandes astros. O contato entre autores e leitores, mediados pela leitura do livro (objeto que o poder público poderia adquirir com valores empregados em contratações de astros), é o que se deve promover. Esses encontros é que de fato poderão capacitar crianças, jovens e adultos para que possam desenvolver uma prática leitora crítica e libertária.
Escritores, para quem ainda não sabe, são pessoas que escrevem. E, por escreverem, merecem o respeito de quem é um trabalhador da palavra, devendo, portanto, ser remunerado por isso. Uma remuneração digna, que passa, sem dúvida, pela aquisição de sua obra para que, de fato, um município possa, através de suas feiras de livro - mais do que propiciar momentos espetaculares - promover a leitura, finalidade maior de qualquer estadista que queira uma sociedade cidadã.
Uma feira de livro se faz com leitores e com escritores. Uma feira de livro se faz tratando seus contratados com igualdade. Uma feira de livro se faz destinando o dinheiro público ao seu objetivo maior: formar leitores; promover o acesso aos livros e a discussão em torno deles; qualificar mediadores de leitura através de oficinas, de palestras, de mesas-redondas. Uma feira de livro se faz com livros. É isso que a Associação Gaúcha de Escritores defende. E ponto."
Assinado: Diretoria da AGES: Associação Gaúcha de Escritores"Edição da postagem em 24/04/2012: Leia a resposta do Gabriel O Pensador.
Fiquei besta com isso, que absurdo neh. Eu também cancelaria, achei falta de consideração com os Autores...
ResponderExcluirbjs
É uma coisa chata... realmente, esse dinheiro poderia ser melhor aplicado. Eu iria numa feira de livro, tendo músico lá ou não. Vou ver o post da resposta do Gabriel...
ResponderExcluirÉ muito desrespeito aos autores que estavam lá pelo amor à literatura e não por cachê. Extremamente lamentável ver que a prefeitura gasta uma fortuna para ter alguém "famoso" em um evento ao invés de investir esse dinheiro na construção de novas bibliotecas!
ResponderExcluirA vergonha maior para mim é da prefeitura.
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